ARTIGO 19 reafirma urgência de medidas protetivas para membros da UNIVAJA em audiência na CIDH

Objetivo é garantir que o Vale do Javari se torne um território seguro para povos indígenas, comunicadores e defensores de direitos humanos, como Bruno Pereira e Dom Philips 

A ARTIGO 19 participou, no dia 13 de novembro, de audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) dedicada ao avanço da Medida Cautelar 449, solicitada no contexto do desaparecimento de Dom e Bruno em junho de 2022. Essa medida tem como objetivo a proteção de membros da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIJAVA) que ainda sofrem ameaças em seus territórios.  

A audiência faz parte da Mesa de Trabalho Conjunta relativa ao caso, iniciativa inédita no Brasil. Para Raísa Cetra, Codiretora Executiva da ARTIGO 19, a Mesa representa “uma experiência inovadora de cumprimento de resoluções internacionais, e que se destaca por permitir que a sociedade civil tenha voz ativa para propor medidas e prioridades relacionadas à proteção dos beneficiários e à não repetição dos fatos que levaram a esta medida cautelar”.  

Também compõe a iniciativa oito órgãos e ministérios do Estado brasileiro e a CIDH, entre eles o Ministério das Relações Exteriores (MRE), Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Conselho Nacional de Justiça (CNJ,) Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), entre outros. 

Apesar de avanços do Estado brasileiro no cumprimento do Plano de Ação da Mesa, a proteção coletiva e territorial do Vale do Javari, assim como medidas de proteção individual de defensores da região, seguem insuficientes.  

“Precisamos que o governo brasileiro se comprometa a nos ajudar de forma concreta e, em especial, em relação a medidas de não repetição [dos fatos deste caso]. Só assim, acreditamos que o Estado brasileiro irá cumprir com o seu dever constitucional de proteção aos povos originários, do meio ambiente e dos direitos humanos em nosso país”, esclareceu Bushe Matis, coordenador da UNIVAJA, em vídeo enviado à Comissão. 

Patrícia Borba, do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), ressaltou aspectos fundamentais do caso: “chamamos a atenção para o caráter singular da situação de risco sofrida pelos defensores indígenas: o território é parte indissociável de sua identidade, sendo a luta pelo território a luta por suas próprias vidas. Essas pessoas não podem deixar o seu território para se proteger, pois, para elas, não existe vida separada de suas terras ancestrais. É preciso protegê-los dentro da terra e é preciso protegê-los agora. Sem eles, não há o Vale do Javari”, disse. 

No entanto, o risco no território permanece. Clayton Weimers, diretor do escritório da Repórteres Sem Fronteiras em Washington, denunciou que “apesar da CIDH ter considerado, em novembro de 2022, um risco iminente à integridade física de tais defensores, foi somente em julho de 2024 que o Estado brasileiro concluiu as análises de risco de cada um deles, os planos individuais de proteção foram concluídos somente no início deste mês (novembro) e as medidas concretas de proteção, até hoje, seguem uma realidade distante”. 

Além disso, ainda permanecem desafios para a busca de memória e justiça no caso. Como ressaltou Iman Musa, da Washington Brazil Office, “Apesar de o relatório da PF ter tido o mérito de apontar que os assassinatos foram motivados pelas atividades de fiscalização ambiental de Pereira, persiste uma omissão grave: a falta de reconhecimento de que o assassinato de Dom Philips estava relacionado ao seu trabalho como jornalista.” 

Segue pendente também um pedido oficial de desculpas do Estado Brasileiro, assim como um sítio de memória permanente, como medidas concretas que visem manter viva a importância dos defensores do Vale do Javari. 

Além da atuação nesta Medida Cautelar, a Mesa de Trabalho Conjunta e a equipe técnica da CIDH também participaram recentemente de uma reunião do Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta, responsável pela construção da Política Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos no Brasil e do anteprojeto de lei que lhe dará suporte.  

Diante do exposto na audiência, o governo brasileiro se comprometeu com o encaminhamento do anteprojeto de lei do Plano Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos e o acompanhamento da implementação do plano individual de defensores, tal qual será apresentado pelo Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta. 

Reafirmamos a urgência de que o Estado garanta a efetiva implementação dos planos individuais de proteção, com a urgência que a situação exige para que os defensores de direitos humanos, jornalistas e comunicadores possam atuar livremente na região do Vale do Javari. A efetivação dessas iniciativas deve ser prioridade do Estado Brasileiro para garantir o seu fortalecimento estrutural. 

HISTÓRICO 

No dia 05 de junho de 2022, o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira rumavam à Atalaia do Norte (AM) para realização de entrevistas com indígenas, em deslocamento que deveria durar aproximadamente duas horas – mas os dois nunca chegaram ao destino final.  

No dia 10/06, a ARTIGO 19 protocolou um pedido de medida cautelar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos para resguardar as vidas e a integridade de Dom Phillips e de Bruno Araújo Pereira. O documento foi assinado também por Instituto Vladimir Herzog, Repórteres sem Fronteira, Alianza Regional por la Libre Expresión e Información, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Tornavoz, Washington Brazil Office (WBO). 

Em novembro de 2022, a CIDH concedeu medidas cautelares a favor de 11 membros da Univaja – uma resposta à petição requerendo o seguimento e a ampliação das medidas cautelares concedidas após o desaparecimento de Bruno Araújo e do Dom Phillips.  

O pedido de ampliação foi uma iniciativa da ARTIGO 19, do Instituto Vladimir Herzog, da Alianza Regional por la Libre Expresión e Información, da Repórteres sem Fronteiras, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), da Associação de Jornalismo Digital (Ajor), da TORNAVOZ, do Washington Brazil Office (WBO), da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi).  

Em 11 de agosto de 2023, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) anunciou a criação da Mesa de Trabalho Conjunta sobre a implementação das medidas cautelares em favor de Bruno Araújo Pereira, Dom Philips e 11 membros da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA), que atuaram nas investigações do caso Dom e Bruno. 

Pedidos formais das organizações da sociedade civil  

Durante audiência, as organizações presentes, ARTIGO 19, Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), Repórteres Sem Fronteiras, União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Washington Brazil Office (WBO) e o advogado representante da família de Bruno Pereira, solicitaram ao Estado brasileiro que: 

  1. Mantenha se em vigor esta medida cautelar; 
  2. solicite ao Estado informações atualizadas sobre o status da implementação do plano de proteção individual de cada beneficiário; 
  3. participe das reuniões trimestrais da Mesa de Trabalho Conjunta, a partir de calendário a ser disponibilizado pelo Estado brasileiro; 
  4. realize uma visita in loco ao Vale do Javari no primeiro semestre de 2025, com os objetivos de: 
  5. monitorar a implementação do plano de proteção individual de cada um dos beneficiários da MC 449-22; 
  6. participar de um processo de consulta a lideranças indígenas do Vale do Javari sobre as medidas de proteção territorial de que necessitam; 
  7. realizar, com participação da sua Relatoria Especial para Liberdade de Expressão, uma reunião de trabalho com jornalistas e comunicadores da região sobre os desafios para realizar seu trabalho com segurança; 
  8. acompanhe, também por meio da Relatoria para Liberdade de Expressão, o desenvolvimento de diretrizes voltadas para polícias, promotores e juízes sobre transparência em investigações de crimes contra jornalistas;  
  9. realize uma reunião conjunta com representantes da Corte Interamericana de Direitos Humanos para monitorar o status da implementação do Plano Nacional de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, nos termos em que foi elaborado pelo GTT Sales Pimenta; e 
  10. Promova, com apoio do Estado brasileiro, um intercâmbio regional de boas práticas e desafios para o aperfeiçoamento dos programas de proteção a defensores de direitos humanos. 

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