Organizações que entraram com pedido na CIDH apontam problemas na investigação e alertam para riscos de mais violência

Na última quarta-feira (27), organizações da sociedade civil brasileira que atuam na defesa da liberdade de imprensa e dos direitos dos povos indígenas responderam à manifestação enviada pelo governo brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o caso do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips, na região amazônica. Em 11 de junho, a CIDH concedeu medida cautelar no caso, determinando que o Estado brasileiro redobrasse seus esforços de busca pelas vítimas e garantisse a plena investigação dos fatos, implementando ações de não repetição das violações de direitos humanos constatadas. O governo brasileiro, entretanto, respondeu à Comissão alegando que o caso estaria concluído com a localização dos corpos e a confirmação das mortes, e pediu o encerramento da medida cautelar concedida.

Na resposta protocolada pelas organizações solicitantes da cautelar, as entidades afirmam que, sem garantir a devida solução do caso, a manifestação do Estado brasileiro em si já representa um descumprimento das determinações da CIDH. Em detalhes, as organizações mostram que, desde o início das buscas até a fase de investigação, as autoridades estatais não têm empreendido esforços suficientes para a compreensão de todos os elementos que envolvem o caso e a responsabilização de todos os envolvidos. E lembram que, além de confissões feitas pelos próprios suspeitos, os avanços obtidos nas investigações foram possíveis apenas com a colaboração de integrantes da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA) e de indígenas da região, que nem sequer são citados no relatório do governo enviado à Comissão.

Na resposta ao governo, as organizações também rechaçam a narrativa, vocalizada por diferentes autoridades brasileiras, de que a morte de Bruno Pereira seria resultado de um desentendimento e uma rixa pessoal com pescadores de comunidades do Vale do Javari. A posição não leva em conta o histórico de ameaças que Bruno Pereira vinha sofrendo e que já tinham sido denunciadas formalmente. Da mesma forma, as solicitantes criticam o fato de as investigações até agora não trazerem quaisquer explicações sobre a morte de Dom Philips, tratada como um efeito colateral nas linhas investigativas, desconsiderando o trabalho jornalístico de registro de crimes ambientais que o jornalista realizava na região.

Ao pedir para que a medida cautelar siga aberta e que a CIDH continue exigindo que o Estado brasileiro investigue o caso plenamente, as solicitantes destacam que o governo federal também está desrespeitando a determinação da Comissão Interamericana ao não oferecer medidas para impedir que tragédias como a de Dom e Bruno ocorram com outras pessoas que atuam no Vale do Javari. Isso porque o governo brasileiro não apresentou informação sobre iniciativas capazes de garantir a proteção e segurança de quem segue trabalhando na região, está colaborando com as investigações e, também por isso, tem recebido inúmeras ameaças. “A maioria dessas medidas consiste em esforços bastante iniciais, no sentido de serem estabelecidos canais de diálogo entre autoridades. Uma das medidas mais importantes, relativa ao reforço na segurança na região, tampouco se traduziu na adoção de ações concretas”, afirma a resposta das organizações.

A lentidão e as falhas na investigação até agora impediram a localização ou detenção de outras pessoas que possam estar envolvidas nos crimes e que seguem livres para ameaçar lideranças indígenas, ambientalistas e comunicadores. Nesse sentido, o documento elenca a ausência de denúncia formal no inquérito contra pessoas que ajudaram a ocultar os corpos, de investigação de políticos locais que se beneficiaram do crime e de indicação de eventuais mandantes do crime.

“A denúncia apresentada pelo MPF e aceita pela Justiça Federal cristaliza diversos aspectos que têm sido objeto de críticas por parte da sociedade civil quanto à incapacidade de as investigações efetivamente apontarem as motivações dos assassinatos de Bruno Araújo Pereira e Dom Philips, de promoverem a responsabilização de todos os envolvidos e de desmantelarem integralmente a estrutura criminosa que ameaça e mata as pessoas que defendem a Terra Indígena do Vale do Javari e seus povos – e que gerou o ambiente que resultou nesses dois assassinatos”, aponta o documento.

Para as peticionárias, a investigação está longe de se encerrar e muitas questões seguem em aberto, cabendo respostas das autoridades brasileiras. Por isso, pedem que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos estabeleça canais de diálogo permanente e de cobrança do acompanhamento da cautelar com o governo brasileiro – tanto em relação às investigações do crime quanto ao desenvolvimento de medidas de proteção do território da Terra Indígena do Vale do Javari e das pessoas ameaçadas no contexto de luta por direitos na região.

“A multiplicidade de casos envolvendo a morte de comunicadores e defensores de direitos humanos não se trata de algo pontual, de casos isolados. Trata-se de um nível de letalidade apurável e vinculado a situações em que opiniões políticas ou denúncias realizadas por esses profissionais confrontam pessoas e grupos que exercem o poder local. Assim, atentar contra suas vidas tem se mostrado uma estratégia recorrente no silenciamento de vozes e tolhimento da liberdade de expressão na região amazônica”, afirmam as entidades à CIDH.

Foto: Chris J Ratcliffe / Greenpeace

 

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