Durante atividades em Brasília, entidades da sociedade civil e órgãos do Estado apontaram conquistas, mas cenário ainda é preocupante para ativistas
Organizações da sociedade civil, entre elas a ARTIGO 19, o Ministério dos Povos Indígenas e o Ministério de Direitos Humanos e Cidadania organizaram a “Jornada Bruno Pereira e Dom Phillips” na última quarta-feira (5), em Brasília (DF). No mesmo dia, completou-se dois anos dos assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenismo brasileiro Bruno Pereira. A data também marca o Dia Mundial do Meio Ambiente.
As atividades aconteceram sob o mote “A memória do indigenismo no Vale do Javari a partir da luta dos defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas”. Participaram representantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Relatoria Especial de Liberdade de Expressão da CIDH e as viúvas de Bruno Pereira e Dom Phillips – Beatriz Matos e Alessandra Sampaio, respectivamente.
A ARTIGO 19 e diversas entidades de direitos humanos têm atuado junto ao Estado brasileiro e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para proteger os membros da União dos Povos Indígenas As atividades aconteceram sob o mote “A memória do indigenismo no Vale do Javari a partir da luta dos defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas”. Participaram representantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Relatoria Especial de Liberdade de Expressão da CIDH e as viúvas de Bruno Pereira e Dom Phillips – Beatriz Matos e Alessandra Sampaio, respectivamente.Vale do Javari (Unijava) e garantir que casos como o de Bruno e Dom não voltem a ocorrer.
Construir a memória coletiva sobre quem foram esses dois ativistas e comunicadores e quem são os povos e territórios que eles defendiam é parte essencial desses objetivos. As atividades da última quarta-feira (5) são parte dos esforços no âmbito da Mesa de Trabalho Conjunta das medidas cautelares (MC 449-22), concedidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em favor de Bruno, Dom e 11 membros da Unijava.
Além das mesas de discussão e atos públicos realizados no âmbito da jornada, organizações da Coalizão em Defesa do Jornalismo realizaram uma coletiva de imprensa sobre o estado do caso. Apesar de avanços no tema, a situação para ativistas e defensores dos direitos humanos e do meio ambiente na região do Vale do Javari – assim como em outros territórios amazônicos – ainda é de risco.
Durante a mesa de abertura da jornada, Raquel da Cruz Lima, Coordenadora do Centro de Referência Legal (CRL) da ARTIGO 19, pontuou que Bruno e Dom foram assassinados justamente quando faziam um trabalho de levantamento e difusão de informações sobre a proteção da Terra Indígena do Vale do Javari. Segundo ela, ” foi por conta dessa condição de pessoas que usavam publicamente suas vozes para defender direitos, territórios e o meio ambiente que Bruno e Dom foram assassinados”.
Para Raquel, até hoje, as pessoas seguem sendo “ameaçadas, sem medidas concretas de proteção e que garantam a continuidade de seu trabalho” e alerta para o fato de que, ainda que incluídas em programas de proteção, ativistas “não contam com planos individuais de proteção que assegurem que possam seguir na atuação como defensores [dos direitos humanos e do meio ambiente]. Alguns deles, por conta dessa desproteção, passaram a reduzir a sua visibilidade pública.”
Pedro Vaca, Relator Especial para a liberdade de expressão da CIDH, afirmou que “se levamos em consideração a importância do tema das mudanças climáticas, proteção do meio ambiente, crise climática, certamente podemos dizer que esse interesse e essa relevância da agenda das mudanças climáticas é inversamente proporcional às possibilidades, às condições e as alternativas para contar o que vivem as comunidades que estão nas áreas estratégicas para [conter os efeitos] das mudanças climáticas em todo o mundo e na Amazônia.”
Vaca também reforçou, como mencionado pela coordenadora do CRL da ARTIGO 19, que a situação para comunicadores na região do Vale do Javari é preocupante: “há jornalismo na Amazônia, mas esse jornalismo enfrenta obstáculos e desamparo. A Amazônia quer ser contada”, denunciou.
O Relator reconheceu a inspiração do caso de Bruno e Dom para a adoção na mais recente declaração conjunta de órgãos de proteção da liberdade de expressão no último Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, comemorado em Santiago, Chile, e que teve como marco o contexto da crise climática.
No documento, os órgãos de proteção reconhecem o elevado risco que jornalistas, defensores ambientais e outros ativistas dos direitos humanos e os denunciantes enfrentam quando levantam questões ambientais, climáticas e condenam a censura de debates sobre esses temas através da violência online e offline, da repressão de protestos e de reuniões públicas.
Bruno Pereira, além de ter sido indigenista e servidor de carreira da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), era jornalista, assim como Dom Phillips. Ambos realizavam entrevistas e levantavam informações junto aos povos indígenas do Vale do Javari, no intuito de levar ao conhecimento público a violação dos direitos humanos e a degradação ambiental na região, quando foram atacados.
A ministra do Povos Indígenas, Sônia Guajajara, durante a Jornada destacou: “A liberdade de expressão, tão essencial para a democracia, foi a principal ferramenta de Dom Phillips. Ele acreditava que dar voz aos silenciados era chave para uma sociedade mais justa e igualitária. Bruno Pereira, por sua vez, dedicou sua vida à defesa dos direitos dos povos indígenas. Ele não mediu esforços para proteger comunidades vulnerabilizadas”.
Os assassinatos de Dom e Bruno representam mais uma forma violenta de silenciamento e evidenciam como a garantia da liberdade de expressão e a proteção de vozes historicamente silenciadas é parte essencial da luta por justiça climática.
Mesa de trabalho conjunta na CIDH
Desde o início do caso dos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, a ARTIGO 19 está engajada na denúncia do crime junto a órgão internacionais de proteção dos direitos humanos, em especial a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A organização realizou um pedido de medidas cautelares, em conjunto com o Instituto Vladimir Herzog, Alianza Regional por la Libre Expresión e Información, Repórter sem Fronteiras (RSF), Associação de Jornalismo Digital (AJOR), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Instituto Tornavoz e Washington Brazil Office (WBO). Nele, as entidades chamaram a atenção pelo dano irreparável aos direitos à vida e à integridade pessoal de Dom Phillips e Bruno Pereira, além de alertar sobre a situação de risco permanente em que se mantêm os membros da Unijava.
Em junho de 2022, a Comissão aprovou as medidas cautelares (MC 449 – 22) e determinou que o Brasil se empenhasse na localização de Bruno e Dom. Com a confirmação da morte do jornalista britânico e do indigenista brasileiro, a UNIVAJA e o Opi se somaram aos peticionários, as organizações pediram a ampliação do escopo das medidas e a inclusão da previsão de que o Estado garanta o direito à vida, à integridade e à atuação segura de defensores de direitos humanos. Além disso, foi solicitada a criação de um mecanismo especial de acompanhamento da implementação das medidas, algo inédito no Brasil.
Ações recentes em Manaus
No dia 28 de maio deste ano, a ARTIGO 19 realizou, em conjunto com artistas mulheres do Coletivo Hip Hop Pai D’Égua e do Coletivo Tinta Preta, uma ação em Manaus (AM), durante realização de audiência da Corte sobre emergência climática e Direitos Humanos.
No evento, foi defendido que os espaços institucionais e de decisão reconhecessem o direito à liberdade de expressão artística, sobretudo de mulheres que atuam nos territórios amazônicos. A ARTIGO 19 também está apoiando a realização, nesta quinta-feira (6), de uma atividade em Londres, no Reino Unido, em homenagem a Bruno Pereira e Dom Philips, e que deve contar com a presença do embaixador brasileiro no país.