Forças de Segurança reprimem brutalmente protestos na Colômbia

As forças militares e civis do governo presidencial de Ivan Duque reprimiram de maneira contínua e indiscriminada as manifestações que ocupam as ruas na Colômbia desde o dia 28 de abril de 2021. Milhares de manifestantes protestam contra a reforma tributária, a crise econômica e sanitária e o aumento da violência contra defensoras e defensores de direitos humanos.

São vários os relatos de lesões oculares devido ao uso indiscriminado de armamentos “ditos” [1] menos letais, denúncias de casos de abuso sexual, registros fílmicos e fotográficos de centenas de prisões arbitrárias e de uso de arma de fogo contra manifestantes, jornalistas e defensores de direitos humanos. Até o momento, foram registradas pelo menos 26 mortes, 90 manifestantes desaparecidos e 234 vítimas de violência, entre elas 98 atingidas por disparos de arma de fogo [2]. Em uma semana de protesto, segundo a organização  colombiana Temblores, já teriam ocorrido 814 detenções arbitrárias [3].

Segundo os padrões internacionais de direitos humanos, o direito de protesto é essencial para a defesa da democracia e para a garantia dos demais direitos. [4] Trata-se de um dos principais instrumentos de participação social e ação política em temas de interesse público, especialmente para a reivindicação por maior justiça e igualdade social [5]. Assim, os Estados têm a obrigação de proteger e facilitar as manifestações, suspendendo normas e práticas que restringem esse direito. [6]

A repressão massiva a um ato público mediante uso da força não é permitida sob o pretexto de que não seja pacífico. Em qualquer conflito que ocorra durante uma manifestação, as condutas dos manifestantes devem ser individualizadas. Em nenhuma hipótese, a força usada pode causar dano maior do que a ação que se pretende repelir. Entretanto, as Forças de Segurança da Colômbia têm atuado de forma desproporcional sem pautar sua intervenção nos princípios da  excepcionalidade, proporcionalidade e absoluta necessidade. [7]

Os protestos ocorrem durante a mais forte onda de contágio da Covid-19 na Colômbia e no contexto de vigência de ordens judiciais que proíbem multidões nas ruas em mais de 116 municípios. Entretanto, segundo Clément Voule, Relator Especial sobre Liberdade de Reunião Pacífica e Liberdade de Associação da ONU, os Estados devem “garantir que a emergência de saúde pública não seja usada como pretexto para violações de direitos. (..) A crise não é justificativa para o uso de força excessiva na dispersão das assembleias. (…) [E não] deve ser usada para impedir que a sociedade civil, advogados de defesa e jornalistas realizem trabalhos vitais de monitoramento da polícia, prisões”. [8]

A repressão aos protestos sociais na Colômbia, assim como a militarização dos conflitos sociais, não é fato isolado na região. A insatisfação popular diante do recrudescimento da pobreza, do racismo e da discriminação em uma das regiões mais desiguais do mundo, tem mobilizado multidões para as ruas da América Latina nos últimos anos. As respostas estatais, por sua vez, têm sido cada vez mais violentas e autoritárias. Desde 2019, as organizações sociais vêm denunciando essas práticas na região. [9] Naquele ano, a repressão a protestos sociais foi brutal na Bolívia, Chile, Equador e na própria Colômbia. No Brasil, a criminalização e perseguição de vozes dissidentes e a militarização da política representa um dos extremos do avanço do autoritarismo na região.

A ARTIGO 19 denuncia a incompatibilidade entre uma democracia saudável e o recurso às Forças Armadas em ambiente doméstico, com o pretexto de gerir crises; reafirma que há um padrão de violação de direitos humanos diante de protestos sociais na América do Sul – com o uso excessivo da força e o emprego de aparato militar – e manifesta preocupação por suas consequências para a preservação da democracia na região. Também conclama os Estados e a sociedade civil da região a manifestar-se contra este arbítrio e pela defesa dos direitos humanos dos povos latino-americanos.

1 INTERNATIONAL NETWORK OF CIVIL LIBERTIES ORGANIZATION – INCLO. Relatório “Lethal in Disguise”, 2016. Disponível em: https://www.inclo.net/issues/lethal-in-disguise/.
2 CIDH, La CIDH y su RELE expresan preocupación ante la gravedad y elevado número de denuncias de violaciones de derechos humanos durante las protestas sociales en Colombia. 7 de maio de 2021.
3 Disponível em: https://www.semana.com/nacion/articulo/paro-nacional-al-menos-31-personas-han-sido-asesinadas-durante-las-manifestaciones-en-colombia-afirma-temblores-ong/202157/
4  ONU, Comitê de Direitos Humanos. Comentário Geral n. 37, Pacto de Direitos Civis e Políticos, setembro de 2020, parágrafo 01
5 ONU, Comitê de Direitos Humanos. Comentário Geral n. 25, Pacto de Direitos Civis e Políticos, agosto de 1996, parágrafo 25.
6 CIDH, Relatoría Especial para la Libertad de Expresión, Protesta y Derechos Humanos, 2019, párr. 90.
7 UN, Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials, Havana 1990. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/ProfessionalInterest/firearms.pdf
8 States responses to Covid 19 threat should not halt freedoms of assembly and association” – UN expert on the rights to freedoms of peaceful assembly and of association, Mr. Clément Voule. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=25788&LangID=E
9 Disponível em:  https://terradedireitos.org.br/uploads/arquivos/Declaracion-conjunta.pdf

Crédito foto capa: Reuters

 

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