Semana dos Povos Indígenas: desinformação desafia a resistência dos povos Kokama e Tikuna (AM) em tempos de pandemia

Na terceira e última entrevista da série sobre o legado de lutas e resistência dos povos indígenas no Brasil, iniciada no dia 19 de abril, a ARTIGO 19 apresenta o trabalho da rede de jovens indígenas comunicadores do Alto Rio Solimões/Núcleo São Paulo de Olivença, no Amazonas.

Criado em 2013, o colegiado de mídia surgiu com o objetivo de ecoar ainda mais as vozes que historicamente têm seus direitos desrespeitados. Apoiados pela campanha #CompartilheInformação #CompartilheSaúde, a rede é responsável por promover o acesso à informação nas comunidades por meio da comunicação.

1. De que forma a campanha #CompartilheInformação #CompartilheSaúde auxilia no desenvolvimento do projeto de comunicação popular no território?

Rede de Jovens Indígenas: Temos nosso colegiado de jovens indígenas comunicadores desde o ano de 2013. De lá pra cá, muitos deles saíram, uns para fazer faculdade. Voltamos a atuar no ano passado devido à falta de informações sobre a pandemia de Covid-19 nas nossas aldeias. Além disso, vimos também a expansão das fake news sobre a vacinação e como isso estava afetando de forma negativa as pessoas, que na maioria dos casos toma este tipo de conteúdo como confiável.

Vendo a necessidade que as pessoas têm de receber informações corretas e seguras, voltamos a nos organizar e produzir conteúdo tanto por meio da língua portuguesa quanto por meio da língua indígena. Mesmo com vontade de fazer, nós não tínhamos materiais para divulgar, tínhamos poucos equipamentos que dessem para comunicar às comunidades do nosso território sobre a situação da pandemia. A campanha #CompartilheInformação #CompartilheSaúde é um importante auxílio com relação à questão financeira, possibilitando a compra de equipamentos de trabalho para produzir o material que temos feito hoje.

2. Por que vocês sentiram a necessidade de retomar com as atividades de comunicação do colegiado? 

Rede de Jovens Indígenas: A necessidade foi criada com base na falta de informação e pelo fato dela não chegar nas aldeias indígenas, especialmente as mais afastadas da área urbana. Por exemplo, a nossa comunidade fica a 4/5 quilômetros de distância do município – já em outras comunidades, é preciso em média 3/4 horas para chegar. Essa distância sem o aparato da internet não possibilita que as informações importantes cheguem. É nesse contexto que atuamos: democratizar o acesso de todos e todas à informação.

Neste tempo de pandemia, onde as fake news têm influenciado muitas decisões entre os povos indígenas em suas aldeias, não basta apenas dizer que decretos, vacinas, máscaras e isolamento social são importantes para preservar vidas, é preciso que estejamos atentos e na ativa alertando para a gravidade do momento. Hoje o nosso maior problema é o vírus aliado à desinformação.

3. Que tipo de informação e para que público sua iniciativa de comunicação é direcionada? 

Rede de Jovens Indígenas: A nossa comunicação é direcionada para os povos indígenas, principalmente para a nossa Região Amazônica, às margens do rio Solimões, e também para os ribeirinhos e caboclos que muitas vezes sofrem com a falta de informação. Nossa forma de transmitir é feita nas línguas Kokama e Tikuna, faladas na região.

Nosso público são as lideranças indígenas, os caciques, os professores, os agentes de saúde, a fim de que o conhecimento seja diverso. Pelo fato da região ser muito precária com relação ao acesso à internet, principalmente quando se trata de rádio e/ou televisão, uma maneira que encontramos de comunicar foi por meio da instalação de rádios postes nas aldeias, conhecido popularmente como alto falantes. Temos alí o momento de debates, entrevistas com profissionais de saúde e outros tipos de conteúdo. Fazemos também a nossa comunicação via informes pelo WhatsApp e podcasts.

4. Quais são as maiores dificuldades de se cobrir a pandemia no seu território?

Rede de Jovens Indígenas: É ter acesso a informações de órgãos públicos: dados de vacinação, óbitos, infectados, leitos disponíveis. Por sermos um colegiado indígena, há uma certa discriminação no repasse de dados que são necessários.

Além disso, outra dificuldade que enfrentamos é fazer com que quem está aqui no território (o ancião, o cacique e as lideranças indígenas) entendam o que é o objetivo central no compartilhamento de informações. Muitos pensam que estamos querendo induzir um pensamento, como no caso da importância de se vacinar. Essa resistência é difícil de lidar, pois estamos fazendo justamente o contrário.

5. O que vocês esperam para o futuro do colegiado? Pretendem expandir? Se sim, de que forma?

Rede de Jovens Indígenas: Atuamos aqui com dois povos: Tikuna, composto por 65 mil indígenas, e o povo Kokama, segundo maior povo na região do Alto Solimões no Amazonas (quase 27 mil).

É por esse motivo, a quantidade de indígenas, que nossa pretensão é aumentar os nossos canais de comunicação. Criar, por exemplo, um canal no YouTube e subir vídeos informativos sobre nossos povos, além de denúncias sobre a falta de acesso à saúde e políticas públicas. Expandir além das redes sociais que usamos, neste caso o Instagram, a nossa atuação na região e fazer com que as pessoas conheçam e reconheçam a importância dos povos indígenas.

6. Como a Campanha vem contribuindo para o acesso à informação para cuidados e prevenção nas comunidades? 

Rede de Jovens Indígenas: Temos divulgado e orientado todos e todas sobre cuidados e prevenção. É importante que todos tenham ciência de que o uso de máscaras, a vacinação, o álcool gel e o isolamento podem sim prevenir os casos de Covid-19. É trabalhando em conjunto que vamos vencer essa batalha e seguir juntos e juntas.

Veja também: 

Sem acesso à informação não há como garantir direitos aos povos indígenas 
A união de jovens comunicadores em defesa da vida, do território e da floresta

 

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