Dia dos Povos Indígenas: sem acesso à informação não há como garantir direitos

Neste 19 de abril, data emblemática que marca o Dia dos Povos Indígenas no Brasil, a ARTIGO 19 destaca o legado e lutas de comunicadores/as indígenas do país, especialmente no contexto crítico das crises agravadas pela pandemia de Covid-19 – que assola os povos indígenas pela falta de informação de qualidade, violação histórica de seus direitos fundamentais e omissão de autoridades governamentais comprometidas com a promoção de medidas eficazes para conter os efeitos danosos do novo coronavírus.

Dados da plataforma Covid-19 e os Povos Indígenas, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e do Instituto Socioambiental (ISA), revelam um total de 1.039 indígenas vítimas da Covid-19 e 52.494 infectados, atingindo 163 povos (Xavante, Kokama e Terena são as etnias mais afetadas). Ainda segundo a base de dados, ainda que os números oficiais informem sobre a dinâmica de notificação, eles não refletem necessariamente a extensão da pandemia. Isso porque um dos problemas enfrentados é a ausência de dados sobre indígenas que vivem fora de Terras Indígenas homologadas, o que inclui tanto citadinos como populações que aguardam a finalização do longo processo de demarcação de suas terras.

Embora o acompanhamento da evolução do vírus entre as populações indígenas representem um grande desafio, iniciativas de comunicação popular e comunitária parceiras da campanha #CompartilheInformação #CompartilheSaúde têm um objetivo em comum: promover o acesso a informações acessíveis e de qualidade nos territórios, a fim de que esse direito, ainda mais central para preservar vidas e embasar decisões individuais e coletivas, contribua para orientar respostas à pandemia.

#CompartilheInformação #CompartilheSaúde

Lançada em maio de 2020, a campanha #CompartilheInformação #CompartilheSaúde tem como principal objetivo fortalecer os direitos humanos à informação e saúde por meio do apoio a comunicadores/as populares e independentes para ampliar informações confiáveis e diversas diante das crises causadas pelo coronavírus.

Em sua segunda edição, a campanha focou em organizações e coletivos da Região Amazônica, a fim de fortalecer a pluralidade de vozes, apoiar o trabalho de comunicadores/as e multiplicar evidências a partir de diferentes realidades –  além de estabelecer ações conjuntas, considerando o contínuo cenário de produção de notícias falsas e campanhas de desinformação massivas, inclusive, por representantes do poder público.

Confira abaixo a primeira entrevista da série que vamos divulgar nesta semana e que marcam as lutas e resistências dos povos indígenas no Brasil.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB (Nacional)

1. De que forma a campanha #CompartilheInformação #CompartilheSaúde auxiliou no desenvolvimento do seu projeto de comunicação popular? 

APIB: A campanha #CompartilheInformação #CompartilheSaúde nos auxiliou na conexão dos nossos mobilizadores locais. Nós construímos uma equipe para a Campanha #VACINAPARENTE de produção de conteúdo, mas também de distribuição.

Esses mobilizadores pertencem a várias regiões do país e têm o papel de trazer informações, como também registrar as fake news que estão circulando nos contextos locais sobre a vacina e a Covid-19. Essa troca possibilita que todos e todas fiquem cientes do que está acontecendo e possam a partir daí  produzir conteúdo e replicar em seus territórios.

Os mobilizadores também são responsáveis por levar o conteúdo produzido pela APIB para as comunidades, afinal, partimos de um entendimento de que nem toda comunidade e/ou aldeia indígena conta com acesso à internet de qualidade. Justamente por isso, o WhatsApp passa a ser a mídia principal de contato. É por essa importante ferramenta de comunicação que circulam as informações oficiais – além, é claro, das redes sociais da APIB.

Conseguimos recentemente organizar uma espécie de vacinômetro, em que acompanhamos os dados de vacinação no contexto indígena. Lançamos no começo de março esse vacinômetro no site Emergência Indígena, nossa frente de trabalho relacionada à pandemia.

2. Que tipo de informação e para que público sua iniciativa de comunicação é direcionada?

APIB: Por ser uma organização de nível nacional, pensamos sempre em toda campanha e ação para vários canais diferentes, com potencial de atingir os povos indígenas e não indígenas. Na Campanha #VACINAPARENTE, por exemplo, o nosso objetivo principal é garantir a vacinação de todo e qualquer indígena em território brasileiro. Isso contempla, inclusive, o povo Warao, originário da Venezuela, mas que está refugiado no Brasil.

Combatendo a desinformação e fake news sobre a vacinação, a Covid-19 e a pandemia, passamos a atingir um público maior e não necessariamente indígena. Nosso público expandiu  com a relevância do nosso conteúdo.

3. Por que vocês sentiram a necessidade de organizar  esses canais de comunicação?

APIB: Começo destacando o WhatsApp como a ferramenta mais importante para o nosso trabalho. Isso porque entendemos que ele é, sem dúvidas, nosso principal canal de mobilização fora das nossas outras redes (Instagram, Facebook, Twitter, YouTube e outros).

Nós criamos, por exemplo, os stickers do Curumim Gotinha, personagem inspirado no Zé Gotinha, nacional do SUS [Sistema Único de Saúde]. O personagem [Curumim Gotinha], foi construído com a identidade visual indígena, inclusive – ele tem adereços e vestimentas de vários povos indígenas e não só de um, justamente para trazer essa ideia da diversidade e para dialogar com os povos de diferentes regiões.

Ao criar os stickers para o WhatsApp partimos do entendimento de que na maioria das vezes as comunidades indígenas só vão ter acesso à informação por essa via. Sendo assim, é por lá que a maior parte da nossa estratégia de comunicação tem que acontecer. A informação precisa circular sendo acessível para quem está fora e dentro das redes, para quem tem e quem não tem acesso à internet.

4. Quais são as maiores dificuldades de se cobrir a pandemia no seu território?

APIB: A maior dificuldade está em checar e coletar informações nos territórios. Esse trabalho requer deslocamento e troca de informações entre nós e outras pessoas. Requer também acesso à internet e, pensando no nosso cenário, requer que as pessoas se locomovam para ter acesso. São muitos os aspectos envolvidos que se colocam como desafios no nosso trabalho de comunicação, mas não são exatamente impeditivos.

A APIB conseguiu um feito significativo e que deve ser muito reconhecido: contrapor os dados oficiais da SESAI [Secretaria de Saúde Indígena]. A SESAI utiliza critérios que a APIB considera como racistas, critérios que fazem distinção entre indígenas chamados aldeados [aqueles que, em tese, vivem em aldeia, na comunidade] e não-aldeados [que vivem, principalmente, em contexto urbano].

Fazemos essa leitura de considerar critérios racistas porque indígena é indígena, independente de onde quer que ele esteja. E, sobretudo, os povos indígenas também têm o direito de sair de suas comunidades e buscar educação, trabalho ou qualquer outro direito que ofereça garantias de qualidade de vida e dignidade.

Mesmo com toda essa questão, a APIB vem conseguindo organizar a coleta de dados sobre casos e óbitos de Covid-19 entre indígenas no Brasil inteiro. Esses dados são atualizados diariamente e disponibilizados para todos e todas no site Emergência Indígena. São muitas as dificuldades, mas mesmo assim continuamos a fazer o nosso trabalho. Isso é o mais importante!

5. Como a Campanha vem contribuindo para o acesso à informação para cuidados e prevenção nas comunidades? Já estão sentindo efeitos? 

APIB: Na organização de campanhas como a #VACINAPARENTE, por exemplo, buscamos levar informações qualificadas e acessíveis. Inclusive, estamos trabalhando na produção de vídeos de profissionais indígenas da saúde falando sobre alguns temas importantes diante deste cenário.

Nós produzimos vídeos e outros conteúdos em línguas originais porque há muitas pessoas, especialmente as mais velhas, que não falam português e sim o idioma do seu povo. Precisamos ter esse cuidado e  sensibilidade, afinal, não adianta pensar toda uma campanha, todo um conteúdo, toda uma linguagem sobre o vírus e a pandemia em português quando nós temos uma parcela da população indígenas que não fala e está habituada ao idioma. Os efeitos desse trabalho são notórios.

Temos recebido relatos de pessoas que se recusaram a tomar a vacina porque leram muitas coisas, principalmente no Whatsapp, mas que depois mudaram de ideia e se vacinaram. Esse é um resultado muito significativo e que justifica tudo que a gente pensou para a campanha e para os conteúdos. Nos traz fôlego de que estamos no caminho certo, atingindo quem a gente quer atingir, quem a gente quer alcançar.

Conheça as organizações que compõem a APIB:

  • Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME)
  • Conselho do Povo Terena
  • Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE)
  • Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL)
  • Grande Assembléia do povo Guarani (ATY GUASU)
  • Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
  • Comissão Guarani Yvyrupa.
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