“PL das Fake News”: nota técnica indica que atual proposta traria mais riscos do que benefícios para o combate às notícias falsas

Nota técnica alerta sobre riscos à liberdade de expressão, à privacidade de usuários e à efetividade em coibir à desinformação na atual redação do Projeto de Lei nº 2.630/2020

A ARTIGO 19, organização que atua na defesa da liberdade de expressão e informação há mais de três décadas, preparou um alerta ao Congresso Nacional: na atual redação, o “PL das Fake News” traz mais riscos do que medidas eficazes para combater o fenômeno das notícias falsas e a desinformação da população no país. O Projeto de Lei nº 2.630/2020 ganhou destaque nesta semana após ser mencionado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, como resposta aos ataques sofridos pelo youtuber Felipe Neto.

Em uma Nota Técnica elaborada com base em parâmetros nacionais e de órgãos globais como a ONU e OEA, a organização alerta que o PL traz definições vagas e imprecisas que abrem brechas para serem aplicadas de forma autoritária para perseguir a imprensa e críticos de autoridades públicas, como o próprio Felipe Neto, ou mesmo para censurar conteúdos em redes sociais. Os riscos são especialmente preocupantes no contexto de países com a liberdade de expressão e imprensa em queda em razão da ação de governos que vêm mobilizando a ideia genérica de “notícia falsa” em ataques sempre que a cobertura jornalística ou a sociedade civil trazem críticas ou informações que contrariam o grupo político que está no poder, como acontece no Brasil, Hungria, Polônia e Estados Unidos. O uso de leis genéricas sobre “fake news” para censurar a imprensa e a sociedade também é uma estratégia em curso na Rússia.

“Sem o devido cuidado e discussão pública, o Brasil pode, ao invés de responsabilizar agentes políticos que propagam a desinformação, dar justamente mais poderes para aqueles que abusam do poder para silenciar jornalistas, agências de checagem, pesquisadores, organizações da sociedade civil e outros setores críticos que fazem circular informações de qualidade e perspectivas plurais”, alerta Denise Dora, diretora-executiva da ARTIGO 19.

Além dos graves riscos, o PL tem lacunas importantes que podem diminuir sua eficácia em coibir a desinformação da população no Brasil. Entre elas, a nota técnica destaca a necessidade de reconhecer plenamente o caráter público de contas de interesse público em redes sociais, incluindo as criadas e utilizadas por agentes políticos.

Também aponta a necessidade de rever imprecisões para impedir que grandes empresas privadas, como o Google e Facebook, tenham legitimidade para derrubar conteúdos sem discussão e participação social. Outro exemplo internacional que serve de alerta nesse sentido é o da lei alemã que entrou vigência em janeiro de 2018, determinando que plataformas de mídias sociais removessem conteúdos “manifestamente ilegais” no período de até 24 horas, sob pena de multas de até 50 milhões de euros. Por apresentar disposições vagas e exageradas, problema semelhante ao do PL brasileiro, a lei tem estimulado um excesso de remoção pelas empresas de mídias sociais, conduzindo a censuras e violações à liberdade de expressão.

Recomendações
Nesse contexto, a ARTIGO 19 defende que um Projeto de Lei com tamanho impacto na governança da Internet e na liberdade de expressão no Brasil seja discutido com responsabilidade e participação multissetorial, incluindo especialistas de organizações da sociedade civil. A Nota Técnica, assim, busca oferecer uma contribuição ao debate público e legislativo, explicando os riscos e apontando cinco recomendações ao Congresso Nacional:

– Supressão de todo o § 2º do Art. 18, tendo em vista que o dispositivo compromete o objetivo de combate à desinformação, ao não reconhecer plenamente o caráter público de contas em redes sociais criadas por agentes políticos, ainda que a título pessoal;

– Adição de incisos, no Art.18, que incluam como contas em redes sociais de interesse público aquelas de cargos representativos do Poder Judiciário, do Ministério Público e Diplomatas, tendo em vista que estes são considerados também agentes políticos, segundo definição da Controladoria-Geral da União;

– Rediscussão, com a comunidade técnica e com a sociedade civil, de definições vagas, imprecisas ou extremamente contingenciais, que apresentam graves riscos à liberdade de expressão e privacidade dos usuários. A ARTIGO 19 recomenda a revisão de todas as definições ligadas a comportamento e condutas online, pois seus conceitos amplos podem ser erroneamente interpretados legalmente e por intermediários;

– Inclusão, no Art. 13, de sugestões de mais critérios de transparência, como disponibilização de relatórios de transparência, em língua portuguesa, com informações e recortes demográficos que otimizem a identificação de grupos que sejam fontes e alvos da desinformação, com limites para que a publicização desses dados não viole o direito à privacidade dos usuários;

– Supressão dos Capítulos IV e V do Projeto de Lei, tendo em vista que eles estabelecem medidas e criam entidades que afetam aspectos críticos da governança da Internet, como remoção de conteúdo e de contas, sem, no entanto, conferir a independência que esse tipo de órgão deve ter como característica básica, para que não haja ameaças à liberdade de expressão.

>> Acesse a Nota Técnica na íntegra

Sobre o PL 2.630/2020
Conhecido como o “PL das Fake News”, o Projeto de Lei nº 2.630/2020, de título “Lei da Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet” foi aprovado pelo Senado Federal no dia 30 de junho de 2020, com o texto do substitutivo protocolado pelo senador Alexandre Coronel. O projeto encontra-se agora em pauta na Câmara dos Deputados com indicações de aprovação célere, como declarado por parlamentares e pelo presidente da Casa. Desde o dia 13 de julho de 2020, a Câmara dos Deputados tem promovido ciclos de debates sobre temas polêmicos constantes no projeto.

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