O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quinta (5) a forma como o “prévio aviso” deve se dar para a ocorrência de manifestações públicas no Brasil. O termo consta no inciso XVI do artigo 5º da Constituição Federal, que protege o direito à liberdade de reunião.
O julgamento deverá discutir se o aviso prévio precisará ser formal e enviado a alguma autoridade pública específica, qual deve ser seu conteúdo e dentro de que prazo deve ocorre.
Os ministros do Supremo irão apreciar recurso movido pela Coordenação Nacional de Lutas, pelo Partido Socialista de Trabalhadores Unificados e pelo Sindicato dos Trabalhadores Petroleiros de Alagoas e Sergipe. Eles questionam a aplicação de multa de R$20 mil por conta de uma manifestação que bloqueou um trecho da rodovia BR-101 em 2008.
A punição foi imposta pela Justiça após as entidades responsáveis pelo ato terem desobedecido liminar que impedia o protesto sob o argumento da ausência de aviso prévio às autoridades. Mas, segundo os organizadores, as notícias na imprensa sobre o protesto antes de ele ter ocorrido já cumpriam esse requisito.
Após recursos a instâncias superiores, o caso chegou ao STF, que resolveu apreciá-lo.
O julgamento começou nesta quinta, mas acabou suspenso após o ministro Alexandre de Moraes pedir vistas do processo. Antes, porém, o ministro Marco Aurélio Mello negou o recurso movido pelas entidades e manteve a multa imposta. Em seu voto, alegou que o exercício do direito de reunião deve ser submetido a prévio aviso à autoridade competente e que não pode implicar interrupção do trânsito.
Restrições ao direito de protesto
Para a Procuradoria-Geral da República, que emitiu parecer no processo, o aviso prévio de uma manifestação deve ser formalizado na entrega a uma autoridade de um ofício. Este, por sua vez, deve ainda trazer a data, a hora e o trajeto completo do protesto bem como a identificação e o endereço dos organizadores.
Para a ARTIGO 19, tal posicionamento restringe demasiadamente o direito de protesto e deve ser rechaçado de forma categórica pela Corte.
É importante considerar que a dinâmica das mobilizações sociais da atualidade tem a internet como um espaço central, de forma que publicações em redes sociais e notícias na imprensa sobre protestos podem e devem ser consideradas como um aviso prévio. Tal constatação ganha ainda mais relevância nos casos dos protestos espontâneos, que nos últimos anos têm ocorrido com bastante frequência nas grandes cidades brasileiras.
Ainda que se conclua pela notificação a uma autoridade, é indispensável que tal notificação não seja expandida em sua interpretação para incorporar exigências que acabariam por transformá-la em verdadeira autorização – o que é considerado absolutamente inadequado pelos padrões internacionais de direitos humanos.
Na verdade, uma eventual decisão dos ministros do STF pela necessidade de notificações a órgãos do poder público pode levar a uma dinâmica entre manifestantes e Estado que, na prática, acabará por equiparar-se à necessidade de autorização para que uma manifestação ocorra. Tal quadro fragilizaria em muito o direito de protesto, já que certamente acarretaria mais repressão policial e a imposição de multas pesadas por parte do Judiciário a manifestantes. Inclusive, em diversos casos do passado, o argumento da ausência do aviso prévio já foi usado por forças policiais para impedir que manifestações aconteçam.
Por tudo isso, é de suma importância que ministros do Supremo votem sob a perspectiva da garantia plena ao direito de protesto, o que implica não acatar as restrições defendidas pela Procuradoria-Geral da República para a realização de manifestações.