Ninguém precisa de registro para ter um blog

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Nota de repúdio à intimação de 133 blogueiros para que se registrem perante à Vara de Registros Públicos e Cartas Precatórias da comarca de Rio Branco

A ARTIGO 19 vem demonstrar o seu repúdio à recente intimação da Vara de registros públicos e cartas precatórias da comarca de Rio Branco em face de 133 blogueiros que atuam no estado.

No dia 25 de Setembro de 2015, a Vara de Registros Públicos da comarca de Rio Branco concedeu pedido feito pelo Oficio do Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas de Rio Branco e intimou 133 blogueiros para que eles regularizassem suas matrículas, pois estariam atuando de forma clandestina por não se encontrarem devidamente registrados. Para que o registro seja efetuado, deve ser realizado o pagamento de uma taxa que pode chegar no valor de R$ 610,80 (seiscentos e dez reais e oitenta centavos). A medida foi fundamentada com base no artigo 122 da Lei de Registros Civis (6015/73), que segue para leitura:

Art. 122. No registro civil das pessoas jurídicas serão matriculados: (Renumerado do art. 123 pela Lei nº 6.216, de 1975).
I – os jornais e demais publicações periódicas;
II – as oficinas impressoras de quaisquer natureza, pertencentes a pessoas naturais ou jurídicas;
III – as empresas de radiodifusão que mantenham serviços de notícias, reportagens, comentários, debates e entrevistas;
IV – as empresas que tenham por objeto o agenciamento de notícias.

Tendo em vista o artigo, observamos que a intimação realizada pela Justiça do Acre é bastante prejudicial para a liberdade de expressão e é advinda de uma interpretação errônea do dispositivo legal. O referido artigo da Lei de Registro Civis data de 1973 e é aplicável a jornais, publicações periódicas, empresas de radiodifusão e agências de notícias. Na época da sua edição ainda não se vislumbrava qualquer reflexão referente aos meios digitais.

A internet, com o passar do tempo, se expande e conecta cada vez mais pessoas. Indivíduos de diferentes etnias, classes, experiências e culturas fomentam o pluralismo de ideias que se desenvolvem nesse meio. Ela permite que o cidadão seja não somente um receptor de ideias e informações, como se dá com os meios tradicionais de comunicação, mas também um difusor de ideias e informações, exercendo de maneira plena o binômio liberdade de expressão e acesso à informação. A própria ONU já reconheceu a necessidade de haver maior acesso ao meio digital e inclusão digital como garantia de direitos fundamentais.1

Dentro desta dinâmica de interação, os blogueiros são uma das figuras de destaque dessa ferramenta de comunicação.
Na rede, em geral, não existe uma figura intermediária entre o emissor e o receptor de ideias, como editoras ou produtoras. Assim, o fluxo de informação acontece de uma maneira muito mais livre e fluída do que qualquer outro meio de comunicação. Nessa linha, o blog é uma ferramenta que pode ser utilizada por qualquer cidadão que deseje se expressar acerca de um determinado assunto, impulsionando a circulação de ideias e informações na sociedade.

Desta forma, aplicar a blogs uma regra pensada para os meios tradicionais de comunicação, como jornais e publicações periódicas, representa uma ameaça a essa nova dinâmica de circulação de informações e uma barreira ao exercício do direito humano à liberdade de expressão. Em primeiro lugar porque exigir o registro cria um processo burocrático que dificulta a livre circulação de informações na rede.

Em segundo lugar, porque a exigência do pagamento de taxas para manutenção de blogs, que em geral não tem finalidade lucrativa e nem são geridos por grupos empresariais, pode representar um peso financeiro que muitos blogueiros não tem condições de arcar. Cria-se, assim, uma barreira econômica ao exercício da liberdade de expressão na internet, ferindo também o princípio da isonomia, uma vez que somente aqueles com condições financeiras poderão manter seus blogs.

Em terceiro lugar, temos que o registro dos blogueiros pode ser uma forma de censura prévia. Os blogueiros, muitas vezes, atuam como figuras críticas ao governo, instituições e indivíduos que detêm alguma forma de poder. O armazenamento desses dados pelo poder público é uma forma de controle que intimida o exercício da liberdade de expressão. Além disso, os dados podem ser usados para que os indivíduos, que se sintam atingidos pelas postagens persigam os blogueiros e os coloque em situação de risco.

Uma lei muito mais adequada para regular a situação dos blogueiros dentro do nosso ordenamento é o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). O Marco Civil apresenta alguns princípios que foram construídos em torno da internet como a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento, a promoção do acesso à internet a todos, a pluralidade e a diversidade da rede. A imposição de entraves administrativos e econômicos ao livre fluxo de informação na internet fere tais princípios existentes no Marco Civil da Internet.

Nesse sentido, tendo em vista que a interpretação extensiva da Lei de Registros Civis é completamente deslocada da dinamicidade da internet, temos que o Marco Civil da Internet é a norma mais adequada para tratar do tema e este não traz qualquer necessidade de registro de blogueiros.

A conduta da Justiça do Acre de obrigar que 133 blogueiros efetuem registro e paguem uma elevada taxa para poderem se expressar representa grande cerceamento à liberdade de expressão. Tais medidas podem levar ao fechamento de blogs e até desincentiva o uso da ferramenta, quando nosso ordenamento busca exatamente o contrário: incentiva o acesso à internet e o exercício da liberdade de expressão nesse meio de comunicação.

Assim, recomendamos que a Vara reveja a decisão tomada e se abstenha de exigir o registro e a cobrança de taxa para o funcionamento de blogs, evitando empecilhos para o execício dos direitos de liberdades de expressão, acesso à informação e pluralismo, e respeitando as particularidades da internet frente a outros meios de comunicação.

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