Observatório Social de Belém: monitoramento do orçamento público e mobilização para o controle social fazem a diferença no Pará

Por Jamila Venturini, especial para a ARTIGO 19

 

Foi do encontro entre um grupo de pessoas dispostas a fazer a diferença no combate à corrupção em Belém (PA), que surgiu o Observatório Social de Belém. Dentre elas estava Ivan Costa, atual presidente da organização que este ano completa dois anos. O contador participava da Rede Amarribo desde 2005 depois de participar de um programa de educação fiscal. “Sei que existem recursos para o atendimento das necessidades da sociedade, o que se verifica é a malversação devido ao erro e à corrupção”, diz.

O Observatório foi criado por ocasião do Dia Internacional contra a Corrupção em dezembro de 2010, com o estímulo de órgãos de controle como o Ministério Público Estadual e Federal, a Polícia Federal, a Receita Federal e Tribunais de Contas. Desde então, o grupo tem trabalhado pelo fortalecimento do controle social a partir de duas linhas de ação principais: a mobilização da população, com a disseminação de programas de educação fiscal e o estímulo à participação de jovens no desenvolvimento justo e sustentável, e o acompanhamento dos gastos públicos.

Além de Costa, participam da ONG servidores públicos, empresários e estudantes.

 

O dia a dia do controle social

Conseguir informações na Prefeitura de Belém não é algo fácil. No caso dos dados sobre o orçamento público e as licitações, são muitas as dificuldades identificadas pelo Observatório. Segundo Costa, a execução orçamentária não é disponibilizada em tempo real, as aquisições nunca são publicadas, as concorrências públicas – no caso das licitações – não são publicadas de forma centralizada e até o Diário Oficial é publicado com atraso na Internet.

Assim, além de acompanhar os meios oficiais, para realizar seu trabalho de monitoramento das licitações no Pará, o Observatório tem que contar com fontes alternativas como os jornais de grande circulação e uma rede de contatos local que comunica a ONG quando saem licitações com valores significativos e alto risco de irregularidades.

Há vezes em que precisam até comprar os editais para ter acesso às informações sobre as licitações. Costa conta um caso recente em que isso ocorreu. Depois de comparar o conteúdo do edital com as leis vigentes, identificou-se irregularidades em uma parceria público privada. As denúncias foram divulgadas em meios de comunicação e comunicadas à Prefeitura. Finalmente, com a atuação do Ministério Público do Estado do Pará (MPE), a licitação, no valor de 780 milhões de reais e vigente por 25 anos, foi suspensa.

Além do acompanhamento das licitações, o Observatório também atua na disseminação do Programa de Educação Fiscal, que visa sensibilizar os cidadãos e cidadãs para a importância dos tributos e a necessidade de controlar sua aplicação.

A ONG também atua na promoção do direito de acesso à informação. Além de realizar pedidos de informação aos órgãos públicos, criou um grupo estadual de defesa do acesso à informação, o Gedai, com a proposta de superar o lado autoritário e escuro do Estado.

Nesse contexto, em outubro, quando se completaram cinco meses de vigência da Lei de Acesso à Informação, o Observatório em parceria com o movimento Fórum Belém entrou com um pedido de informações à prefeitura pedindo um inventário de seus bens e equipamentos. “O objetivo é assegurar que o próximo prefeito tenha acesso a essa informação e estimular que a prefeitura, se não tiver esse documento, o faça”, explica Costa. A medida visa assegurar o controle do patrimônio público municipal, que está avaliado em bilhões de reais.

 

Influência no Legislativo por mais acesso à informação

Um caso emblemático em que o Observatório Social de Belém teve uma importante participação foi em 2011, quando uma investigação do MPE descobriu um número significativo de funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa do Pará. “Houve uma crise na Assembleia Legislativa e ela foi muito desgastada do ponto de vista moral”, conta Costa. “Em meio a isso o Observatório teve uma ação muito criativa”, avalia.

Em parceria com o Conselho Regional de Contabilidade, a ONG apresentou uma proposta de emenda na Lei de Diretrizes Orçamentárias que obrigava o estado a publicar dados como nome, número parcial do CPF, cargo, função, vínculo, carga horária, setor e órgão de todos os seus servidores ativos na Internet. O dispositivo foi aprovado de forma pioneira, antes mesmo da aprovação da Lei de Acesso à Informação Pública no âmbito federal.

Diante desses resultados positivos, Costa conta seu segredo: “quem milita no controle social e da cidadania precisa ser persistente”.

 

Diálogo que compromete e salva vidas

O Observatório também integra a rede Nossa Belém, uma articulação municipal que busca estabelecer parecerias entre a sociedade civil e o governo para melhorar a qualidade de vida na cidade. Na rede, a ONG ocupa atualmente a posição de co-secretária, o que, segundo Costa, foi um desafio importante uma vez que isso envolve o diálogo com diversos atores.

Nesse sentido, a Nossa Belém teve uma vitória importante em 2011 mediando um conflito que envolveu a prefeitura de Belém e uma cooperativa de médicos que tinha uma parceria para a prestação de serviços de saúde na cidade. No ápice dessa crise, chegaram a faltar médicos nas áreas de emergência da rede pública e mais de quatro pessoas faleceram nesse dia. Com a intervenção do Ministério Público Estadual por intermédio da Rede Nossa Belém e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) o conflito foi solucionado e a rede municipal de saúde voltou a funcionar normalmente.

Também no âmbito da Nossa Belém, conseguiram comprometer oito candidatos – inclusive o que foi eleito – com uma carta compromisso com o programa Cidades Sustentáveis durante o período eleitoral. Assim, Belém a partir do ano que vem conta com um prefeito comprometido com a incorporação da sustentabilidade às políticas públicas da cidade, assim como com a promoção da participação da sociedade civil e a prestação de contas sobre suas ações e avanços alcançados (a carta pode ser vista na íntegra aqui).

O Cidades Sustentáveis é um programa nacional que busca o desenvolvimento sustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental. A ideia é criar uma rede entre instituições de pesquisa, cidadãos, movimentos sociais, empresas e Poder Público.

 

Integração e controle social

Costa conta que em seus quase dois anos de atuação, o Observatório e as pessoas envolvidas nele nunca sofreram qualquer tipo de retaliação com relação a seus posicionamentos. “Temos um cuidado importante em relação a isso”, conta. “Tentamos sempre fazer críticas propositivas, ou seja, propor caminhos e soluções”. A ideia é promover a integração entre os diversos atores sociais.

Próximo de completar dois anos de existência, o grupo buscar agora construir um padrão de atuação. “Nós atuamos num segmento que é necessário e no qual os órgãos de controle oficiais não conseguem penetrar”, reflete Costa. Para ele, o Observatório pode contribuir muito com o desenvolvimento do Brasil, já que grande parte dos desvios de verbas públicas começa já no processo licitatório – processo que a ONG acompanha de perto. Sua expectativa agora é que a Lei de Acesso à Informação facilite esse trabalho.

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