ARTIGO 19 condena desproporcionalidade na atuação de órgãos que deveriam zelar pela liberdade de imprensa, direito à informação e sigilo de fonte jornalística no Brasil
A ARTIGO 19 expressa profunda preocupação com a notícia de que o Ministério Público Federal (MPF) instaurou uma denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald, sob acusação de envolvimento no hackeamento de contas de Telegram de autoridades, como a do Ministro da Justiça, Sérgio Moro, e integrantes do próprio MPF.
A denúncia do MPF está em desacordo com a própria investigação, na qual a Polícia Federal afirma que o jornalista adotou “postura cuidadosa e distante em relação à execução das invasões”, não sendo possível aferir a prática de nenhum crime.
Também contraria uma recente decisão do STF, no âmbito da ADPF 601. Em decisão liminar publicada em 7 de agosto de 2019, o ministro Gilmar Mendes proibiu as autoridades públicas de praticarem “atos que visem à responsabilização do jornalista Glenn Greenwald pela recepção, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia, ante a proteção do sigilo constitucional da fonte jornalística”. Em sua decisão, o Ministro ressaltou que a Constituição protege o sigilo da fonte jornalística (art. 5º, inciso XIV) e que faz parte da liberdade de expressão o direito de obter, produzir e divulgar fatos e notícias por quaisquer meios.
O MPF age de forma desproporcional, priorizando a denúncia do jornalista em vez de apurar o conteúdo das reportagens do The Intercept Brasil e os sucessivos ataques aos jornalistas do veículo, incluindo o próprio Glenn Greenwald. Desde o início, essas publicações têm sofrido tentativa de silenciamento da imprensa quando ela desempenha um dos seus principais papéis em democracias: o de fiscalização e denúncia de autoridades públicas.
A denúncia do MPF se insere ainda um contexto preocupante de narrativas de criminalização de jornalistas, fontes e denunciantes baseada em referências genéricas a ação de “hackers”. Este tipo de narrativa já foi mobilizada em casos emblemáticos em que denunciantes expuseram violações de direitos humanos de seus governos, como no caso de Edward Snowden e Chelsea Manning nos Estados Unidos. Nesse contexto, essas narrativas promovem a estigmatização de atividades legítimas e necessárias para a proteção dos direitos humanos.
Lembramos que o Estado brasileiro assumiu compromissos com a liberdade de expressão e o direito da população à informação — o que inclui a garantia da liberdade de imprensa, de sigilo de fonte e a adoção de medidas eficazes para assegurar que aqueles que publicam informações de interesse público ou interajam com fontes e denunciantes não estejam em risco, sejam ameaçados por autoridades públicas ou criminalizados por isso.