CPI que investiga ONGs favoráveis à legalização do aborto pode ameaçar o acesso à informação

O escritório brasileiro da ARTIGO 19 se posiciona com preocupação a respeito da CPI do Governo Federal que investiga o financiamento de organizações da sociedade civil que trabalham para promover o aborto seguro e campanhas para a legalização do aborto no Brasil. ARTIGO 19 entende que investigações nesta área são tentativas para restringir o debate público sobre o assunto e se configuram como um ataque à liberdade de expressão.

A Frente Parlamentar Evangélica e a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Vida convocaram uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar os interesses internacionais e financiamento de organizações que trabalham para promover o aborto no Brasil. As frentes argumentam que os financiadores deste trabalho podem ser responsabilizados por promover atividades ilegais no Brasil, onde o aborto é considerado crime, permitido apenas em circunstâncias excepcionais.

ARTIGO 19 acredita que as exigências de uma CPI deste tipo, que tem como alvo apenas as organizações que trabalham com os direitos reprodutivos, é parte de uma tentativa de restringir suas atividades e impedir o livre fluxo de informações sobre as escolhas reprodutivas no País. ARTIGO 19 solicita que o Governo Brasileiro respeite os padrões internacionais sobre a liberdade de expressão e tome medidas positivas para garantir que todas as mulheres no Brasil tenham acesso a informações completas sobre a saúde reprodutiva, que inclui informações sobre aborto seguro, bem como argumentos a favor e contra a legalização do aborto.

Os Deputados Federais João Campos e Salvador Zimbaldi pediram a abertura da CPI no dia 10 de abril, alegando que a CPI pretende determinar “(…) por que setores minoritários da população [aqueles que – supostamente – apoiam a legalização do aborto] são financiados por organizações estrangeiras para implementar uma agenda que se estabelece fora do Brasil, sem qualquer participação democrática (…) “.

A moção que solicita a instauração da CPI foi aprovada por 178 deputados e encontra-se na fila de outras 19 comissões que deverão ser convocadas este ano.

Os defensores da investigação argumentam que o povo brasileiro se opõe fortemente à legalização do aborto e que, portanto, seria contrário aos projetos que promovem o aborto ou que visam estudar a questão. Os deputados argumentam que tais atividades tratam-se de intervenções estrangeiras antidemocráticas.

“A liberdade de expressão é um direito humano fundamental que protege o livre fluxo de ideias e opiniões na sociedade. Isso inclui ideias que possam ser consideradas controversas ou imorais por parte de alguns segmentos da sociedade. As autoridades brasileiras devem apoiar o papel das organizações da sociedade civil na promoção do direito à saúde reprodutiva, e não limitá-lo. As autoridades não devem arrematar esta obrigação apenas porque uma parte da população considera suas atividades como imorais”, afirma Paula Martins, diretora da ARTIGO 19 para a América do Sul.

ARTIGO 19 receia que a CPI seja usada como um veículo para tentar censurar debates contra a criminalização do aborto no Brasil, dando início a uma caça às bruxas contra as organizações da sociedade civil que recebem financiamento estrangeiro, promovendo a ideia de qualquer discussão sobre a legalização do aborto pode implicar no delito de “incitação ao crime”, o que é proibido pelo Código Penal Brasileiro.

“Há uma diferença fundamental entre expressar uma opinião e incitar outros a cometer um crime. Legalização do aborto requer debate público permanente. Apenas uma ampla discussão sobre este assunto, com a participação efetiva de diferentes grupos com diferentes pontos de vista e opiniões, pode fundamentar a decisão do Parlamento”, acrescentou Paula Martins.

Qualquer restrição à prestação de informações sobre o aborto seria uma restrição pouco razoável ao direito de acesso à informação na área de saúde pública, que poderia ter um impacto negativo sobre toda a sociedade. Abortos são permitidos no Brasil em casos de estupro ou quando a mulher enfrenta graves riscos à sua saúde, caso continue a gravidez. Portanto, informações sobre aborto seguro são cruciais para o benefício não apenas destas mulheres, mas também de suas famílias. Abortos mal realizados são a 5ª principal causa de morte entre as mães no Brasil.

O aborto é uma questão de grande importância pública e o livre fluxo de informação sobre o aborto é crucial.

ARTIGO 19 defende a transparência em organizações da sociedade civil e dos Governos, mas expressa sua preocupação sobre as reais motivações políticas desta CPI, que visa especificamente atingir grupos que trabalham para fornecer informações sobre o aborto, e que pode utilizar mecanismos para ameaçar e censurar estes grupos.

ARTIGO 19 exorta o governo brasileiro a respeitar e promover o direito à liberdade de expressão, entre eles, o direito de receber e transmitir informações, incluindo questões de saúde pública, como o aborto.

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