Nota Técnica: Decisão do STF sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet

A ARTIGO 19 Brasil e América do Sul apresenta sua análise da recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de declarar a inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI), reconfigurando o regime de responsabilização civil dos provedores de aplicações de internet no país.  

Acesse aqui a Nota Técnica: “JULGAMENTO DA CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 19 DO MARCO CIVIL DA INTERNET PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL”.

A tese firmada pela Corte traz mudanças significativas que, embora busquem enfrentar desafios como desinformação e  crimes online, geram preocupações quanto aos riscos para a liberdade de expressão e o acesso à informação. 

Antes da decisão, o regime geral de responsabilização civil – previsto no artigo 19 do MCI estabelecia que os provedores de aplicações (como as grandes plataformas de redes sociais) só poderiam ser responsabilizados civilmente por conteúdos de terceiros se, após uma ordem judicial específica para a remoção do material, deixassem de cumprir a determinação.  

Como exceção à regra geral do artigo 19, o artigo 21 estabelece a possibilidade de responsabilização dos intermediários por violação da intimidade decorrente da divulgação não consentida de material contendo cenas de nudez ou de atos sexuais, caso não promovam a retirada do conteúdo após notificação extrajudicial da pessoa que participa da cena divulgada. Com a tese do STF, essa lógica foi invertida para a maioria dos casos.  

O regime do artigo 21, antes excepcional, agora se torna a nova regra geral para crimes ou atos ilícitos em geral. Isso significa que, para uma ampla gama de conteúdos ilícitos, os provedores podem ser responsabilizados civilmente após uma simples notificação extrajudicial, sem a necessidade de uma ordem judicial prévia. 

Apenas para crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação) o STF manteve o regime anterior, exigindo uma decisão judicial para a remoção antes de qualquer responsabilização. A Corte também criou regimes específicos para outros cenários, o que demonstra a complexidade da nova interpretação. 

Apesar de a intenção da decisão ser a de enfrentar certos fenômenos que ocorrem no mundo digital, a ARTIGO 19 avalia com preocupação as consequências dos novos regimes. Nossa principal inquietação é que essa nova interpretação pode conferir um poder excessivo e arbitrário às plataformas digitais, transferindo a elas a responsabilidade de decidir, de forma unilateral e sem as devidas garantias processuais, o que é lícito ou não.  

Isso pode levar a um “chilling effect”, ou seja, a um resfriamento do discurso público, em que as plataformas, para evitar a responsabilização civil, optam por remover conteúdos que, na verdade, são lícitos e importantes para o debate público. 

Esse risco é ainda maior para populações e movimentos que lutam por direitos, que dependem do espaço online para se organizar e se manifestar. A ausência de balizas claras e a transferência de poder para o arbítrio privado das plataformas podem silenciar vozes críticas e limitar a capacidade de expressão de grupos historicamente marginalizados. 

É crucial, neste novo contexto, atentar para a importância do acesso à informação online, não apenas para o registro do debate público, mas também como instrumento de preservação da memória histórica. A remoção indiscriminada de conteúdo, sem critérios claros, transparência ou mecanismos de controle, pode apagar registros importantes sobre ilegalidades e violências, dificultando a responsabilização e a prevenção da repetição desses atos. 

A solução para os problemas nas grandes plataformas de redes sociais não reside apenas na moderação de conteúdo, mas também no enfrentamento de causas estruturais, como a falta de concorrência e os modelos de negócio que priorizam o engajamento e a monetização, muitas vezes em detrimento da segurança e da qualidade da informação.  

A ARTIGO 19 defende que a regulação das redes sociais é necessária, mas ela deve ser conduzida de forma participativa e respeitando os direitos e as liberdades fundamentais. A regulação econômica e a promoção de interoperabilidade constituem um caminho essencial para a construção de um ambiente digital mais justo, transparente e democrático. 

Icone de voltar ao topo