No contexto das recentes mudanças anunciadas pela Meta em suas políticas, a ARTIGO 19 Brasil e América do Sul participou de audiência pública presidida pela Advocacia-Geral da União (AGU) com 45 debatedores convidados, entre organizações da sociedade civil, especialistas e representantes de plataformas digitais (que não estiveram presentes), no dia 22 de janeiro de 2025.
A audiência também teve representantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) e do Ministério da Fazenda (MF).
Na ocasião, reforçamos a necessidade de um debate aprofundado sobre liberdade de expressão online e regulação das plataformas. Em fala realizada por André Boselli, coordenador do programa de Ecossistemas de Tecnologias de Informação e Comunicação (ETIC) da organização, abordamos quatro pontos centrais: o reposicionamento da Meta, a moderação de conteúdo, a curadoria de conteúdo e a regulação econômica das big techs.
Resistência corporativa ao controle democrático
Como já indicamos em nosso posicionamento mais recente, as mudanças nas diretrizes da Meta refletem uma tentativa de resistência corporativa ao controle democrático das plataformas digitais – uma estratégia para evitar regulações que garantam transparência e responsabilidade. Apesar do objetivo da regulação ser o fortalecimento dos direitos digitais e da democracia, elas são frequentemente rotuladas de censura pelas empresas de tecnologia.
Portanto, o reposicionamento das big techs não é uma defesa genuína da liberdade de expressão, mas sim de um alinhamento político e ideológico que vai contra as conquistas de direitos e o fortalecimento democrático.
Moderação de conteúdo: um processo falho e opaco
Ressaltamos que a moderação de conteúdo feita pela Meta sempre foi insatisfatória. Além de remover postagens sem critérios claros, a moderação frequentemente silencia grupos historicamente marginalizados. O próprio CEO da empresa reconheceu práticas de censura, mas as mudanças anunciadas não buscam corrigir essa situação. Ao contrário, são guiadas por interesses econômicos e políticos.
Os processos de moderação de conteúdo (majoritariamente automatizados) apresentam riscos significativos e vieses importantes, como remoções indevidas, direcionamento arbitrário e monitoramento excessivo das postagens e dados de usuários. Apesar da moderação de conteúdo ser fundamental para a proteção dos direitos humanos, em países com histórico autoritário e parâmetros judiciais pouco definidos sobre liberdade de expressão, esse tipo de controle pode ser particularmente perigoso.
Curadoria de conteúdo e o impacto no debate público
Defendemos que a curadoria de conteúdo — decisão sobre quais postagens serão promovidas, destacadas e distribuídas aos usuários — é um elemento fundamental no debate sobre liberdade de expressão. Essa curadoria está diretamente ligada ao modelo de negócio das plataformas digitais, que priorizam engajamento e coleta em massa de dados em detrimento do pluralismo informacional.
Conteúdos prejudiciais, ainda que não necessariamente ilegais, tendem a gerar mais interação, impulsionando um ciclo nocivo de desinformação e discurso de ódio. Essa dinâmica é mantida pela concentração econômica, que impede a entrada de novos atores e limita a diversidade no ecossistema digital.
O Marco Civil da Internet já prevê a promoção de padrões tecnológicos abertos para garantir comunicação acessível e interoperável entre aplicações e bancos de dados. No entanto, as grandes plataformas continuam a operar com pouca transparência e sem mecanismos eficazes de responsabilização, além de impedir ou dificultar o surgimento e adoção de inovações tecnológicas como protocolos abertos, redes descentralizadas e soluções de códigos abertos.
Regulação econômica para fortalecer a democracia
A liberdade de expressão deve ser um eixo fundamental para a construção de sociedades mais justas e democráticas. Para isso, é essencial enfrentar a concentração econômica das big techs e promover um ecossistema digital mais diverso e equitativo.
O debate sobre regulação econômica das plataformas digitais é urgente. A atual estrutura de monopólio impede inovações e a criação de novas lógicas de curadoria de conteúdo, reforçando um modelo que compromete a pluralidade informacional e o acesso à informação confiável.
Reafirmamos nosso compromisso com a promoção de um ambiente digital mais transparente, responsável e voltado à defesa dos direitos humanos. Seguiremos acompanhando e incidindo nesse debate para garantir que as políticas das plataformas estejam alinhadas com os princípios democráticos e com a proteção da liberdade de expressão.