A Lei de Acesso à Informação (LAI), que completa uma década na próxima segunda-feira (16), está em risco. É o que aponta o relatório 10 anos da Lei de Acesso à Informação: de onde viemos e para onde vamos, que reúne quatro estudos de caso que constatam graves tentativas de desmonte do regime e da cultura de transparência no Brasil. Produzido pela organização ARTIGO 19, que atua em defesa e pela promoção do direito à liberdade de expressão e de acesso à informação em todo o mundo, o documento também analisa e traz diagnósticos quanto à transparência e à garantia do direito de acesso à informação pública após a implementação da lei, a partir da consulta a mais de 30 especialistas da sociedade civil, governo, academia e movimentos sociais – incluindo a ex-presidenta Dilma Rousseff e o senador Fabiano Contarato, que, reconhecidamente, têm atuação em prol da promoção e da defesa do direito à informação e à transparência em âmbitos nacional e internacional.
Para Denise Dora, diretora-executiva da ARTIGO 19, a lei deve ser celebrada e defendida. “A LAI é uma poderosa ferramenta no combate ao autoritarismo e a diversas formas de violação a direitos fundamentais. É imprescindível trazê-la para o centro do debate público, pois, sem ela, não é possível vislumbrar um Estado Democrático de Direito. Isso significa retomarmos o compromisso com um regime democrático, transparente e que promova a participação social”, explica.
Dividida em três seções, a publicação traz um resgate histórico-político do regime de transparência e de seus dispositivos, além do cenário atual da garantia do direito à informação e de uma proposta de agenda para os próximos anos. Sua primeira parte, ‘De onde viemos’, conta com informações sobre o processo de aprovação da LAI, seus avanços, e os retrocessos ocorridos recentemente. “Nos últimos quatro anos, percebemos uma tentativa, principalmente vinda do Governo Federal, mas também de outras esferas da gestão pública, de desmonte do regime e da própria cultura de transparência no Brasil. Seja por meio de decretos ou de atos concretos, o que se percebe é uma banalização do sigilo e do não compartilhamento de informações, principalmente para ganhos políticos ou pessoais, além de uma inação preocupante dos órgãos de controle. Contudo, não podemos deixar de notar uma maior presença de estruturas de solicitação de informação em nível municipal, por exemplo, ou então uma preocupação evidentemente maior, a partir da sociedade civil, com questões relacionadas à divulgação de informações oficiais”, destaca Julia Rocha, coordenadora da Área de Acesso à Informação e Transparência da ARTIGO 19.
Em seguida, a seção ‘Onde estamos’ reúne quatro estudos de caso sobre temas que notoriamente têm baixa transparência no acesso à informação. No primeiro, que aborda o enfrentamento à COVID-19, um ponto em comum ressaltado pelas lideranças dos coletivos de comunicação popular entrevistados foi a necessidade de superar as barreiras linguísticas e se opor à negligência do governo em oferecer orientações adequadas à prevenção da COVID-19, considerando as particularidades dos diferentes povos. Esse diagnóstico foi uma das principais razões que mobilizaram os mesmos coletivos a levar informação a suas comunidades.
Já a análise sobre o acesso à informação quanto aos direitos sexuais e reprodutivos de pessoas com capacidade de gestar indica um não interesse do Governo Federal sobre o tema. Por meio de uma análise em transparência ativa nos sites dos órgãos de saúde da esfera federal, estadual e das capitais, a pesquisa constatou que o cenário posto está aquém do ideal. O Ministério da Saúde deixou de ter página dedicada à saúde da mulher, evidenciando ainda mais o momento crítico e conjuntural de falta de informações confiáveis. Além disso, uma das únicas fontes de informação para a população adolescente é justamente a campanha sobre abstinência sexual, comprovadamente falha, e que sequer menciona informações sobre métodos contraceptivos. Nas esferas estaduais de saúde e nos sites dos órgãos das capitais, constatou-se uma grave precarização das informações sobre aborto legal, pela ausência ou inexistência de materiais e conteúdos sobre o assunto. Por fim, nenhum órgão consultado, seja ele da esfera federal, municipal ou estadual, publica dados sobre saúde sexual e reprodutiva e aborto legal.
Em relação à transparência florestal, percebe-se que a região da Amazônia Legal apresenta maiores déficits para compartilhamento de informações. Quando comparados aos estados de fora da região, os governos da região amazônica responderam de maneira satisfatória apenas 39,9% das solicitações de informação, índice que contrasta com os 54,9% dos demais estados. A pesquisa também conclui que as informações mais difíceis de se obter junto aos governos estaduais são aquelas referentes a desmatamento autorizado e povos e comunidades tradicionais. Para cada um dos assuntos, o índice de resposta satisfatória foi de, respectivamente, 28,8% e 39,5%. E, apesar de a LAI estipular 30 dias como prazo máximo de resposta, o tempo médio de espera para o recebimento de respostas do Amazonas, por exemplo, é de 121 dias. O governo do Acre, por sua vez, não respondeu a nenhum dos pedidos encaminhados até o fechamento da pesquisa.
O último estudo de caso apresentado, sobre a promoção da desinformação em períodos eleitorais, mostra que, se as eleições de 2022 refletirem a quantidade de desinformação que tem sido perpetuada por grupos bolsonaristas nos últimos três anos de governo, ao que tudo indica, o pleito eleitoral será bastante atribulado em termos de desordem informacional, mesmo com todas as medidas tomadas pelo TSE, as disposições da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e a possível implementação do PL das fake news.
A terceira e última parte do relatório, ‘Para onde vamos’, reúne propostas concretas de como melhorar a infraestrutura já existente, impedir seu desgaste, mas, sobretudo, como democratizar o direito à informação no País. “Isso inclui oferecer a servidoras e servidores, nas pontas das políticas públicas, informações necessárias para a efetivação de serviços, uma política de transparência ativa que comunique dados de maneira eficiente e aberta, assim como a necessidade de um resgate à cultura da transparência, um dos pilares necessários da nossa democracia”, finaliza Júlia Rocha.
Baixe aqui o relatório 10 anos da Lei de Acesso à Informação: de onde viemos e para onde vamos.