Implementação de sistema de reconhecimento facial coloca em risco direitos fundamentais de milhões de passageiros que utilizam o transporte público diariamente no Estado de São Paulo
Mais de 20 organizações da sociedade civil divulgaram nesta terça-feira (09) uma carta aberta sobre o Projeto de Lei nº 865/2019, aprovado recentemente na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e responsável por autorizar o uso de tecnologias de reconhecimento facial no Metrô e na Companhia de Trens Metropolitanos (CPTM). De acordo com a carta, o texto do PL, que aguarda sanção do governador João Dória (PSDB-SP), foi aprovado às pressas, sem transparência ou qualquer interlocução com a sociedade e setores que atuam com este tema, não sendo capaz de mitigar os riscos envolvidos e assegurar direitos fundamentais de milhões de passageiros que utilizam o sistema diariamente. Se for sancionada, a iniciativa deve impactar a vida das 7,8 milhões de pessoas que usam o Metrô.
Além de ignorar as falhas já conhecidas das tecnologias de reconhecimento facial no Brasil e outros países – que tendem a provocar discriminação, especialmente em relação a pessoas negras, mulheres cis, pessoas transexuais, travestis e não-binárias, levando a suspeições, prisões e constrangimentos equivocados – o Projeto de Lei também viola padrões internacionais de direitos humanos, contraria princípios de proteção de dados pessoais presentes na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e gera grande insegurança jurídica e dúvidas sobre a eficiência e necessidade deste gasto público. A carta pede o veto do governador ao projeto.
O Conselho de Transparência do Estado de São Paulo já se manifestou contrariamente ao PL em carta publicada em 5 de março. Também foi publicada Nota Técnica produzida pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio), Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN) e Access Now, anexa a carta aberta.
Principais pontos da Carta
- Ignora as falhas já conhecidas das tecnologias de reconhecimento facial
Inúmeros estudos mostram que a tecnologia de reconhecimento facial possui maiores índices de erros com públicos específicos e tende a provocar discriminação, especialmente em relação a pessoas negras, transexuais, travestis e não binárias, levando a suspeições, prisões e constrangimentos equivocados, violações de Direitos Humanos e fortalecendo preconceitos e desigualdades estruturais.
- Viola padrões internacionais de Direitos Humanos
O texto possibilita o uso generalizado do reconhecimento facial no Metrô e na CPTM, o que contraria diretrizes emitidas pela Alta Comissária para Direitos Humanos da ONU e pelo Relator Especial da ONU para o Direito à Privacidade. Segundo os representantes, é preciso impor limites ao uso de dados biométricos, devendo ocorrer quando for absolutamente necessário para atingir um objetivo legítimo. O uso da tecnologia ainda tende a causar um “efeito inibidor”: o receio de estar sendo vigiado ou rastreado restringe a participação das pessoas em assembleias e no espaço cívico, impedindo-as de se expressar sem constrangimento.
- Contraria princípios de proteção de dados pessoais
O PL aprovado ignora as determinações básicas como as presentes na Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei nº 13.709/18). Sequer faz menção à lei que determina as bases legais e os princípios a serem seguidos para a coleta e tratamento de dados pessoais, especialmente os sensíveis, além de não considerar outros direitos aplicáveis.
- Gera grande insegurança jurídica e ineficiência no gasto público
Em 2018, a Justiça de São Paulo suspendeu o uso de tecnologias similares no transporte público, determinando que uma concessionária do metrô da capital paulista cessasse a coleta de dados de som e imagem biométrica dos usuários, com a justificativa de que o tratamento de dados dessa forma atentaria contra o direito constitucional à intimidade e à vida privada, bem como os direitos dos consumidores. Mais recentemente, em outra decisão sobre um edital de licitação para compra de câmeras de reconhecimento facial, o Judiciário determinou que o Metrô de São Paulo prestasse esclarecimentos sobre o sistema.
Dessa forma, a insegurança jurídica tende a crescer exponencialmente caso o PL seja sancionado. Eventuais ações judiciais contra o uso de reconhecimento facial imposto por meio do PL podem levar à suspensão de editais de licitação, gastos com custas processuais e, em casos mais extremos, ao pagamento de indenizações e multas por erros decorrentes de falsos positivos em reconhecimento facial ou vazamento de dados sensíveis.
Leia o documento na íntegra: https://bit.ly/3bwj4lC
Assinam a carta:
- Access Now
- ARTIGO 19 Brasil
- Articulação Interamericana de Mulheres Negras nas Ciências Criminais
- Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa
- Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo
- Cidades Afetivas
- Coding Rights
- Comunidade Cultural Quilombaque
- Dado Capital
- Derechos Digitales, América Latina
- Instituto Alana
- Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC
- Instituto de Referência em Internet e Sociedade – IRIS
- Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
- Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
- Laboratório de Políticas Públicas e Internet – LAPIN
- Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
- Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
- Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
- Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
- Ocupa Política
- Open Knowledge Brasil
- Rede latino-americana de estudos sobre vigilância, tecnologia e sociedade – LAVITS
- Rede pela Transparência e Participação Social – RETPS
- Transparência Brasil
- Uneafro Brasil