Declarações e projeto de lei reforçam relação autoritária do governo federal com o direito de protesto

A ARTIGO 19 alerta sobre a extrema gravidade de declarações recentes, realizadas no âmbito do governo federal, e do projeto de excludente de ilicitude enviado no dia 21 de novembro ao Congresso Federal pelo presidente Jair Bolsonaro, que propõe isentar de punição os militares e policiais que cometerem crimes durante operações de Garantia da Lei e da Ordem. No dia 25 deste mesmo mês, o presidente relacionou esta proposta à escalada de manifestações que ocorre na América Latina, onde as violações no contexto de protestos sociais são históricas e vêm se intensificando.

O instrumento proposto pelo projeto do excludente de ilicitude permitiria a adoção de medidas típicas de um regime de exceção, incompatíveis com os padrões democráticos brasileiros e do direito internacional. Desde o início do ano, foram apresentados ainda 15 projetos de lei que pretendem alterar a Lei de Terrorismo, tornando sua definição genérica e ampla — o que abre caminho para abusos e para enquadrar como ‘terroristas’ movimentos sociais urbanos e rurais.

O ministro da economia Paulo Guedes, por sua vez, também deu declarações preocupantes no dia 25, na qual justificou pedidos pela volta do AI-5 caso a população saia em massa nas ruas para protestar. No começo do mês, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) — filho do presidente Jair Bolsonaro — falou sobre a possibilidade de “um novo AI-5” no Brasil durante uma entrevista, após ter afirmado em plenário que caso hajam protestos no Brasil “a gente vai ver a história se repetir”.

Vale lembrar que o Ato Institucional número 5 (AI-5), adotado na Ditadura Militar, concedeu ao presidente da república na época o poder de censura e de fechar o Congresso Nacional. O AI-5 também revogou a possibilidade de habeas corpus para presos políticos, tornando-se marco de um dos piores momentos da história brasileira e mundial.

Nesse momento crítico do país, é essencial que os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – reajam rapidamente, evitando que agentes do poder público propaguem narrativas autoritárias e ameaças à democracia e à população. E que a população e as organizações da sociedade civil sigam alertas para evitar retrocessos.

Recentemente, a ARTIGO 19 se somou a uma carta conjunta assinada por 138 instituições de direitos humanos por ocasião dos protestos no Chile, que afirma: “a força das democracias é demonstrada em sua capacidade de articular e canalizar politicamente o conflito. Assumir respostas de exceção e suspensão de direitos para responder a conflitos sociais é uma ameaça ao estado de direito”. Nesse sentido, vale lembrar que o direito de protesto é garantido pelo artigo 5o da Constituição Federal, que protege as liberdades de expressão, associação e reunião.

Mesmo antes da atual onda de manifestações na América Latina e da série de declarações alarmantes de representantes do poder público que criminalizam manifestantes, a ARTIGO 19 já vinha afirmando que o direito de protesto é essencial para uma democracia. As violações contra esse direito no Brasil são constantes e históricas, exigindo do poder público medidas que garantam o seu exercício, e não a intensificação da repressão e do autoritarismo. São extremamente alarmantes as declarações e propostas do atual governo que, mais uma vez, vai na contramão do que é esperado de representantes do Estado em relação à garantia de direitos e princípios democráticos.

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