Em relatório preliminar, missão trouxe recomendações urgentes para encerrar as violações de direitos humanos verificadas
Uma Missão Internacional de Observação com representantes de diferentes instituições da América Latina esteve no Chile entre 6 e 11 de novembro, registrando em um relatório preliminar uma série de graves queixas de violações aos direitos humanos no contexto dos crescentes protestos sociais no país, em especial nas cidade de Santiago, Valparaíso e Temuco.
Os representantes de oito organizações que integram a Missão, incluindo a ARTIGO 19, divulgaram o relatório preliminar com as principais conclusões e recomendações urgentes identificadas com base nos testemunhos de vítimas e informações fornecidas por organizações da sociedade civil e autoridades públicas chilenas.
O documento aponta que as prisões feitas por policiais aconteceram de forma indiscriminada, com a detenção de pessoas que saíram às ruas para protestar legitimamente e até de transeuntes que, de forma arbitrária, foram conduzidos às delegacias sem justificativas legais que fundamentassem as prisões. Em muitas ocasiões, as detenções ocorreram após o término dos protestos e por meio de perseguições nas ruas às pessoas que estavam voltando para casa.
Nas reuniões com as organizações, integrantes da missão, autoridades públicas e testemunhas diretamente ouvidas relataram que no momento da prisão, durante o transporte na viatura da polícia até a delegacia, foram verificados maus-tratos e casos graves de tortura contra manifestantes detidos. Inúmeros testemunhos coincidentes informaram distintas violações que ocorreram nesse momento de deslocamento, que passaram de golpes com a mão aberta e/ou luva, joelhadas e chutes, em alguns casos por vários agentes, diferentes formas de neutralização física e até enforcamentos que, alguma vezes, resultaram em perda de consciência.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) do Chile, no seu informe de 10 de novembro, ao menos 5629 pessoas já foram detidas e havia mais de 2000 feridos nos hospitais do país.
Em outros casos, várias formas de tortura psicológica foram descritas, principalmente ameaças de morte, ameaças de estupro em grupo ou de agressão física a familiares de manifestantes. Essas ameaças também foram feitas para dissuadir os detidos de fazer queixas contra as violações posteriormente.
No documento, os observadores destacam ainda estarem particularmente preocupados com a maneira com que as armas menos letais estão sendo usadas pela polícia chilena, com a intenção de ferir e punir os manifestantes e sem cumprir os padrões mínimos de gradação e proporcionalidade do uso da força. Chamou atenção ainda falta de transparência sobre os manuais de conduta e a ausência de informações sobre o número de detidos, feridos e sobre a atuação das forças de segurança pública.
Diante do grave cenário, as instituições trouxerem nove recomendações urgentes para cessar a violação de direitos humanos no país, garantindo princípios democráticos, no contexto das manifestações que, mesmo diante de toda repressão, não arrefeceram no país.
Leia abaixo as recomendações que foram elaboradas durante a Missão de Observação no Chile:
1. Desmilitarização imediata da gestão de protestos e manifestações, priorizando canais de mediação e uso de medidas não violentas, aplicando os princípios de precaução, necessidade e proporcionalidade no uso da força. Até que uma avaliação independente revise os protocolos de ação à luz dos impactos generalizados em direitos produzidos, o uso de armas de fogo (espingardas) deve ser suspenso e deve-se deixar de usar equipamentos “menos letais” (gás lacrimogêneo, gás de pimenta, caminhões hidrante — carro lança água)com o objetivo de não causar danos ilegais às pessoas.
2. Durante e após as manifestações, recomenda-se que inspeções sem aviso prévio sejam realizadas em locais de detenção administrados pelos Carabineiros, polícia investigativa e Centros de Justiça pa Defensoria Penal Pública, pelo Ministério Público, pelo Poder Judiciário e pelo Instituto de Direitos Humanos – INDH. Essas inspeções devem incluir entrevistas confidenciais com pessoas privadas de liberdade, a fim de detectar situações de tortura e maus-tratos, ajudar as vítimas, fornecer proteção adequada contra represálias, investigar os fatos detectados e puni-los administrativamente e criminalmente.
3. Recomenda-se que todas as pessoas privadas de liberdade acessem sistematicamente uma verificação médica de lesões em instituições de saúde pública, que isso ocorra com a privacidade correspondente e que o registro de saúde seja preenchido pelos profissionais de saúde. Também se recomenda que a ação médica seja documentada, com ênfase especial na detecção proativa de lesões, de acordo com o Protocolo de Istambul, que se registre expressamente a condição do paciente-detido e que o relatório, com base na confidencialidade, seja entregue em envelope selado endereçado ao juiz de garantia. O sistema de saúde também é instado a manter um registro da detecção de lesões compatíveis com tortura e maus-tratos e das alegações recebidas pelas pessoas privadas de liberdade examinadas.
4. Recomenda-se que o Estado chileno forneça todas as facilidades à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para realizar sua visita in loco ao país.
5. Recomenda-se que, durante e após as manifestações, seja assegurado que jornalistas, observadores de direitos humanos, equipes de saúde e voluntários possam desempenhar suas funções adequadamente e que se cesse as agressões e prisões contra eles.
6. Recomenda-se conduzir uma investigação por um órgão independente sobre as violações de direitos humanos que estão sendo cometidas e a adoção de medidas disciplinares/criminais imediatas nos casos em que houver funcionários públicos identificados em comportamentos irregulares que violem direitos humano e, em particular, o direito à vida e à integridade física.
7. Recomenda-se fortalecer o trabalho da INDH em nível nacional, garantindo que não haja obstáculos ao pleno desenvolvimento de suas funções, em particular no controle da situação de privação de liberdade durante as primeiras horas de detenção e na proteção contra torturas e maus-tratos.
8. Recomenda-se que o Estado do Chile e a INDH especifiquem a implementação efetiva do Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura. Da mesma forma, que sejam asseguradas condições para que as organizações da sociedade civil possam efetivamente e livremente cumprir seu papel de proteção dos direitos humanos, fornecendo acesso a documentação, registros e contato com pessoas privadas de liberdade.
9. Observando que o protesto social ocorrido no Chile nas últimas semanas se baseia na demanda por direitos humanos, incluindo o direito à autodeterminação, instamos os poderes do Estado chileno a buscar meios para seu reconhecimento político-legal, como forma de garantir seu pleno exercício por todas as pessoas que habitam este território e por todos cidadãos.
Confira o relatório preliminar na íntegra em inglês e espanhol