Projeto denuncia privatização do espaço público no centro de São Paulo

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Foi lançado nesta quarta-feira (3) a segunda fase do projeto Arquitetura da Gentrificação (AG), que desta vez traz uma investigação jornalística de fôlego sobre o tema “Privatização da Rua”.

Sob a coordenação da jornalista Sabrina Duran, e colaboração de Fabrício Muriana e Marcela Biagigo, além de parceria da Repórter Brasil e ARTIGO 19, a equipe responsável pelo projeto colocou no ar um site exclusivo com os resultados das investigações sobre o plano de “requalificação” do Vale do Anhangabaú, na região central de São Paulo, capitaneado pelo banco Itaú e mediado junto à população pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU) e pela SPUrbanismo, empresa pública do município ligada àquela pasta.

O site traz uma linha do tempo detalhada com toda a tratativa entre o banco e a prefeitura de São Paulo, além de análises e documentos, áudios, vídeos e imagens disponíveis para download.

Ao longo de mais de 11 meses de apuração, a equipe de reportagem levantou que o processo participativo realizado durante o ano de 2013 pela SMDU para discutir com a população as transformações do Vale foi, na verdade, um processo opaco e direcionado, do qual participaram escritórios de arquitetura, associações de classe, dezenas de funcionários da própria prefeitura, universidades, empresas do ramo imobiliário, coletivos e o próprio banco Itaú − única instituição financeira convidada a participar.

Foram excluídas entidades que representam os interesses de catadores, população em situação de rua e vendedores ambulantes que vivem e trabalham na região há décadas. Das 75 empresas, entidades e instituições convidadas pela SPUrbanismo a tomar parte nos processos participativos, apenas duas tinham alguma relação com populações vulneráveis.

Trata-se de um processo de privatização do espaço público “muito mais sutil, homeopático e entranhado do que uma transação de compra e venda”, diz um trecho da reportagem, no qual o banco Itaú, com aval da prefeitura, assume instrumentos públicos de gestão para redefinir os usos e ocupações de um lugar estratégico da cidade.

A apuração aponta ainda que o Itaú vem atuando, desde 2013, como verdadeiro idealizador e gestor do projeto, e não apenas como seu financiador, definindo, dessa forma, novos usos − e usuários − para o espaço público. Documentos públicos conseguidos pela reportagem mostram uma incomum rapidez na aprovação da doação do projeto pelo banco à prefeitura em diferentes instâncias da prefeitura, além de pressa na liberação de verba pública para a contratação de outra empresa que tire o projeto do papel. Outro achado das investigações foram as subcontratações feitas pelo banco Itaú, sem qualquer interferência da prefeitura, de outras empresas para intervirem no espaço público.

Pelo menos três empresas foram subcontratadas pelo banco para construírem projetos-piloto − versões reduzidas e temporárias do que será feito no Vale do Anhangabaú − nos Largos Paissandú e São Francisco, também na região central. A construção dos pilotos foi iniciada antes que a subprefeitura da Sé tivesse assinado a autorização necessária. Além disso, uma das subcontratadas estava proibida de licitar com o município, e é investigada desde 2012 por supostamente operar um esquema para fraudar licitações da Virada Cultural.

Novo Anhangabaú por R$ 200 milhões

Para realizar os estudos que estabeleceriam as diretrizes para a transformação do Vale do Anhangabaú, o banco Itaú escolheu e contratou, sem qualquer discussão pública prévia, o escritório dinamarquês Gehl Architects. Entre as transformações propostas pelos europeus para o Vale está a criação de espelhos d’água, implantação de dezenas de quiosques, lojas, cafés, um shopping center subterrâneo onde hoje é a Galeria Prestes Maia e a construção de um novo edifício no Vale do Anhangabaú que seja um hotel ou similar com atividades comerciais 24 horas no térreo. Se o projeto sair do papel, a “requalificação” do Vale do Anhangabaú custará cerca de R$ 200 milhões aos cofres públicos. Questionada pela reportagem durante audiência pública na Câmara Municipal de São Paulo, a SPUrbanismo não respondeu de onde sairia o dinheiro para bancar o projeto.

Parceria com ARTIGO 19

Ao longo dos mais de 11 meses de investigação, a equipe de reportagem do AG entrevistou mais de 30 fontes e analisou centenas de páginas de documentos, entre contratos públicos, editais e atas. Quanto mais a apuração avançava e as perguntas se tornavam específicas sobre as tratativas entre banco Itaú, Gehl Architects e prefeitura, as assessorias de imprensa dos órgãos públicos municipais foram fechando as portas à reportagem até não mais responderem às solicitações de informação. Diante disso, o AG estabeleceu uma parceria com a ARTIGO 19 para que esta fizesse, via Lei de Acesso à Informação (LAI), todas as perguntas aos órgãos públicos que ainda eram necessárias à apuração.

Ao todo, a ARTIGO 19 protocolou 14 pedidos, tendo como destinatárias a SMDU, SPUrbanismo e a Subprefeitura da Sé. Desse total, quatro pedidos foram para primeira instância após a ONG recorrer por entender que as perguntas não haviam sido respondidas satisfatoriamente; dois foram para segunda instância e um foi para terceira instância pelo mesmo motivo. As análises pormenorizadas feitas pela ARTIGO 19 sobre cada uma das respostas do poder público podem ser lidas no link Transparência do site que foi ao ar hoje.

“Participar de um projeto de investigação jornalística que tem como objetivo desvendar os pontos opacos de projetos que irão interferir no coração da capital paulista é tarefa que se encaixa perfeitamente na missão institucional da ARTIGO 19, e serve ainda como um valioso estudo de caso sobre a importância do acesso à informação para aprimoramento da boa governança, participação e combate a irregularidades na gestão pública”, diz Mariana Tamari, oficial de Acesso à Informação da ARTIGO 19.

Documentário

Com o lançamento do site, a equipe de reportagem agora se prepara para começar a produzir o documentário que faz parte do projeto. Trata-se de um registro em vídeo feito com as populações vulneráveis que vivem e trabalham na região central da cidade, entre os quais catadores de materiais recicláveis, vendedores ambulantes e pessoas em situação de rua. Além de Sabrina Duran e Fabrício Muriana, repórteres do AG, passaram a integrar a equipe este ano a roteirista e produtora Marcela Biagigo e o videomaker Ivo Duran. O projeto “Privatização da Rua” foi financiado coletivamente por 194 pessoas entre agosto e outubro de 2014.

Sobre o Arquitetura da Gentrificação

O Arquitetura da Gentrificação é um projeto idealizado em 2012 pela jornalista Sabrina Duran, feito em parceria com a Repórter Brasil e com a colaboração do jornalista Fabrício Muriana. O projeto foi ao ar em 2013 e contou com uma série de reportagens que apresentam e analisam as tentativas de expulsão de moradores de menor renda da região central de São Paulo por meio de intervenções urbanísticas levadas a cabo durante as gestões municipais de José Serra (PSDB), Gilberto Kassab (PSD) e Fernando Haddad (PT) em parceria com o setor privado. Todo o conteúdo produzido ao longo de 2013 pode ser conferido aqui.

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