Entidades denunciam Brasil por retrocessos na agenda de direitos humanos

A advogada da ARTIGO 19 Camila Marques

 

Ao lado de outras entidades brasileiras, como a Conectas, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde e a Rede Nacional de Advogados Populares (Renap), a ARTIGO 19 esteve na última terça-feira (6) na Cidade do Panamá para participar de audiência do 159º período de sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão ligado à OEA (Organização dos Estados Americanos).

Na audiência, as entidades apresentaram denúncia contra o Estado brasileiro pela série de violações de direitos humanos decorrentes da aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 55, atualmente em trâmite no Senado, e que na Câmara era chamada de “PEC 241”. A proposta implicará em cortes significativos nas verbas para as áreas da Saúde e Educação.

Camila Marques, advogada da ARTIGO 19 presente à audiência, falou sobre a repressão policial em protestos e a criminalização de ativistas e movimentos sociais ocorridas no contexto da aprovação da PEC 55. “Como já foi trazido inúmeras vezes a essa comissão, o Brasil tem se revelado extremamente hostil ao direito de protesto. Infelizmente, no contexto de instabilidade política do país e de impopulares cortes em direitos sociais, o cenário de repressão e criminalização mantém-se o mesmo”, afirmou.

Durante sua fala, a advogada destacou a série de ocupações de prédios públicos protagonizadas por estudantes contra a aprovação da PEC 55, e que foram seguidas de ações “desproporcionais e abusivas” de forças policiais. Camila citou ainda uma decisão judicial da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal que, no dia 30 de outubro, autorizou policiais a empregar “métodos semelhantes à tortura” contra estudantes que ocupavam um centro de ensino.

“Nessa decisão, o juiz autorizou que os policiais utilizassem instrumentos sonoros contínuos voltados a perturbar os estudantes, em flagrante desrespeito aos direitos relativos às crianças e adolescentes”, criticou.

Além das ocupações estudantis, a advogada da ARTIGO 19 também mencionou a violência policial contra a manifestação realizada em Brasília no dia 29 de novembro, quando 50 mil manifestantes se reuniram para protestar contra a PEC 55, que acabou aprovada em 1º turno no mesmo dia no Senado. “Os manifestantes foram recebidos com uma brutal repressão. Houve diversos feridos entre manifestantes e comunicadores que estavam ali presentes. Além de terem sido vítimas do emprego indiscriminado de armamento menos letal, os manifestantes também foram alvos de detenções arbitrárias”, relatou.  

O recrudescimento da violência do Estado brasileiro contra movimentos sociais também foi tema do pronunciamento de Patrick Mariano, da Renap, que falou logo na sequência. “A criminalização da luta social e do protesto tem crescido preocupantemente no Brasil, o que leva a questionar o real grau da nossa democracia. A brutal retirada de direitos que se arquiteta sorrateiramente no país pressupõe o sufocamento das liberdades individuais”, proferiu.

Desmonte na EBC

Outro tema tratado por Camila foram as medidas tomadas pelo governo federal que visam enfraquecer a EBC (Empresa Brasil de Comunicação). Entre elas, a medida provisória que extinguiu o Conselho Curador da empresa, que até então era formado em sua maioria por representantes da sociedade civil, e cuja prerrogativa era o de proteger os princípios da comunicação pública definidos em lei.

“A EBC se firmou como um importante mecanismo de contraposição ao cenário de concentração nos meios de comunicação e propiciava uma programação mais aberta e diversa. Por isso, é muito preocupante que nos últimos meses esteja ocorrendo um verdadeiro desmonte da empresa em detrimento de todo o caráter público da comunicação brasileira”, disse.

Comissionados

Os comissionados da CIDH presentes à audiência endossaram a denúncia apresentada pelas organizações brasileiras. Sobre os efeitos negativos causados pela PEC 55, o comissionado James Cavallaro lembrou do princípio de “não retrocesso” com o qual os países americanos devem se comprometer.

“Eu entendo que a PEC 55 coloca um teto nas despesas gerais na medida da inflação. Sendo que, em 20 anos, a previsão é que a população do Brasil seja o dobro da atual, a minha pergunta é direta e simples: como isso não representa uma violação do princípio de ‘não retrocesso’ e de alocação progressiva de recursos?”

Já a comissionada Margaret May Macallay apontou as violações ao direito de protesto cometidas no Brasil como um elemento preocupante.  “Quando estive no Brasil, fiz um trabalho junto ao relator especial para a Liberdade de Expressão [da OEA], em que ouvimos vários testemunhos e assistimos a alguns vídeos. O relator demonstrou grande preocupação com o aumento da repressão ao direito de protesto de estudantes, mulheres, comunidade LGBT, entre outros”.

Um comunicado de imprensa publicado na quarta-feira (7) sobre o período de audiências sintetizou as críticas feitas pelos comissionados. No documento, a CIDH reitera sua preocupação sobre os impactos que a aprovação da PEC poderia ter no “gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais”, e lembra ao Estado brasileiro de seu dever de não retroceder nesse campo.

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