No Dia Internacional do Direito ao Saber, diálogo promove troca de experiências sobre democracia, desinformação e Covid-19 entre países do sul global

Representantes da Artigo 19 do Brasil, Senegal e Bangladesh participaram do debate online ‘Democracia, desinformação e Covid-19: desafios do sul global’ 

Além da saúde pública, a pandemia de Covid-19 trouxe desafios também para a administração pública e para a garantia dos direitos humanos. Nesse contexto, a informação pode ser o divisor de águas entre salvar vidas ou agravar uma emergência de saúde, especialmente em países com problemas estruturais e históricos de desigualdade social e de garantia de direitos. Para debater estas intersecções, a ARTIGO 19 Brasil promoveu o debate online “Democracia, desinformação e Covid-19: desafios do sul global” nesta segunda-feira (28). Celebrando o Dia Internacional do Direito ao Saber, representantes da ARTIGO 19 no Brasil, Bangladesh e Senegal compartilharam desafios e experiências bem sucedidas na articulação entre acesso à informação e democracia em contexto de pandemia.

No Brasil, a pandemia causada pelo novo coronavírus agravou crises políticas, sociais, econômicas e ambientais já existentes. São crescentes as tentativas de enfraquecer instituições democráticas, com o esvaziamento de órgãos de controle e da participação social, tentativas de alteração na Lei de Acesso à Informação (LAI), além dos sucessivos ataques à sociedade civil, jornalistas e comunicadores partindo do próprio governo. Governo este que utiliza a desinformação como tática, ocultando dados, promovendo drogas sem comprovação científica ou negando a gravidade da pandemia. “O Brasil talvez seja um caso exemplar de como a desinformação leva a uma crise democrática”, sintetizou Denise Dora, Diretora-Executiva da ARTIGO 19 Brasil e América do Sul.

Nesse contexto, a ARTIGO 19 Brasil articulou-se em três eixos para responder às graves violações de direitos no país: 1) defendendo o acesso à informação e produzindo informações junto a instituições parceiras. Exemplos são a atualização do Mapa do Aborto Legal e o relatório sobre acesso a informações durante a pandemia; 2) atuando em rede e apostando na comunicação independente e popular, como com a Campanha #CompartilheInformação #CompartilheSaúde; 3) atentando-se aos sistemas de justiça nacional e de órgãos da ONU. Em julho, por exemplo, o governo do Brasil foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por violação sistemática do direito de acesso à informação e transparência nas ações de enfrentamento à pandemia de Covid-19. A denúncia foi realizada por grupos representantes da sociedade civil, incluindo a ARTIGO 19, durante reunião bilateral e recebida por Joel Hernández García, relator para Brasil, Chile e Honduras. Como enfatizou Denise, uma lição aprendida nos últimos meses é que a ética do cuidado e as respostas conjuntas e comunitárias têm grande valor.

Bangladesh tem lidado com os desafios trazido pela Covid-19 de forma similar, como relatado por Faruq Faisel, representante da ARTIGO 19 no Sul da Ásia. Ele relata não apenas um cenário de desinformação mas de “informação alguma” sobre a pandemia, não havendo canais de comunicação com o governo sobre o tema. Faruq relata a escalada autoritária do governo durante a pandemia, destacando o aumento de ataques a jornalistas e o uso da Lei de Segurança Digital para perseguir jornalistas e comunicadores. Foram 51 incidentes do tipo, e os sucessivos ataques, aliados a outras crises agravadas pela pandemia, também fizeram com que vários veículos do país deixassem de ser veiculados em papel. Uma iniciativa da ARTIGO 19 em Bangladesh para fazer frente às crises agravadas neste ano refere-se a empregabilidade de mulheres jornalistas. Para protegê-las, a organização trabalha para oferecer aconselhamento profissional e um contrato temporário àquelas que perderam seus empregos durante a pandemia.

“Estamos monitorando, produzindo relatórios e nos encontrando com parceiros, como órgãos da ONU, mas estamos preocupados com a situação da democracia. O governo se diz democrático, mas se comporta como um governo autoritário”, disse Faruq.

Boas práticas

Em Senegal, o contexto, felizmente, é outro. Fatou Jagne, Diretora-Executiva da ARTIGO 19 no país, compartilhou que, embora o país esteja em um momento de polarização política, houve um esforço em unir diferentes grupos e compartilhar informações e as ações contra o novo coronavírus. “Houve um esforço de colocar cientistas e dados no centro, e de dizer a verdade às pessoas, de que os sistemas de saúde são fracos e vulneráveis e que, portanto, era preciso trabalhar coletivamente para evitar o pior”, relembra Fatou, que enfatiza o papel da informação no gerenciamento da pandemia, crucial para gerar um sentimento de confiança acerca das medidas tomadas. Dessa maneira, a resposta senegalesa à Covid-19 foi bastante bem-sucedida, embora não sem erros – Fatou destacou, por exemplo, problemas com a transparência sobre os recursos alocados para auxiliar as populações mais vulneráveis, e ataques a comunicadores.

Outra boa notícia foi o aumento da sensibilização sobre a violência contra as mulheres, já que a sociedade civil do país organizou-se para visibilizar a questão, criando e fortalecendo mecanismos de denúncia. No entanto, os impactos econômicos causados pela pandemia somados à pressão de grupos empresariais e religiosos pela reabertura de diversos setores podem ameaçar a resposta até então bem-sucedida, como alertou a Diretora durante o debate. Fatou também enfatizou a importância de compartilhar tais reflexões neste Dia Internacional do Direito ao Saber. “Este ano nos mostrou que o direito à informação não é apenas um direito, mas uma ferramenta fundamental para assegurar serviços públicos”.

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