A ARTIGO 19 divulga monitoramento de violações contra jornalistas nesta terça-feira (15/09), no marco do Dia Internacional da Democracia, com um alerta: a história recente e a experiência de outros países mostram que restrições ao trabalho de comunicadores estão diretamente ligadas a avanço autoritário.
Ao menos 449 violações contra jornalistas e comunicadores foram cometidas pelo Presidente da República, seus Ministros, familiares que exercem mandatos e políticos relacionados, entre janeiro de 2019 e setembro de 2020. Não só jornalistas foram expostos individualmente em 104 casos (23%), por meio de acusações, exposição de fotos e de nomes – gerando, em grande parte das vezes, ataques virtuais em massa -, como também alguns veículos de comunicação foram sistematicamente hostilizados nesse período.
Os ataques e violações reiterados geram um ambiente de deterioração do trabalho da imprensa — de forma mais evidente por meio de insultos, ameaças e intimidações, ataques verbais e impedimento de cobertura em determinadas situações. Mas, também, de maneira indireta, com um discurso estigmatizante, que é articulado pela insistente acusação genérica de publicações de notícias falsas ou pela postura de polarização de autoridades públicas em relação a determinados veículos ou profissionais, que são expressamente etiquetados como como inimigos ou opositores do governo quando estes realizam uma cobertura desagrada o grupo político que está no poder — como notícias de investigações envolvendo o presidente e seus familiares e momentos de crises no mandato.
Neste cenário, a organização publica uma análise que explica as principais categorias de violação, que têm acontecido de forma reiterada e sistemática, apontando seus efeitos na deterioração da liberdade de imprensa no país. Casos emblemáticos que ilustram esses mecanismos de violação foram reunidos nesta linha do tempo:
Linha do Tempo sobre a institucionalização de violações a jornalistas
Institucionalização de violações a jornalistas
Intimidação institucional
A ministra Damares Alves ameaçou processar o jornal Folha de São Paulo após divulgação de dados relacionados à violência infantil.
Omissão institucional
O governo Jair Bolsonaro enviou à Justiça documento indicando que não é papel da segurança presidencial garantir proteção aos jornalistas que realizam coberturas no palácio do planalto.
Omissão institucional
Jair Bolsonaro deixa de usar máscara na coletiva de imprensa em que divulga que seu teste para COVID-19 é positivo, colocando em risco os jornalistas presentes na cobertura.
Intimidação institucional
A conta oficial da Secretaria de Comunicação compartilha charge de Renato Aroeira em post de Ricardo Noblat com uma legenda que menciona que ambos “responderão por esse crime”.
Discurso estigmatizante, Exposição de jornalista/comunicador
A jornalista Bianca Santana foi acusada de disseminar ‘fake news’ em live de Jair Bolsonaro, por um artigo publicado que mostrava relações entre os acusados do assassinato de Marielle Franco e a família do presidente.
O caso foi denunciado na 44ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (veja no vídeo). Posteriormente o presidente se retratou e pediu desculpas à jornalista. Entretanto, a exposição decorrente da acusação gerou uma série de ataques a mesma.
Saiba mais: Ataques do governo Bolsonaro a mulheres jornalistas são denunciados ao Conselho de Direitos Humanos da ONU
Discurso estigmatizante
Em coletiva, o presidente se recusa a responder alguns meios de comunicação (não foi possível identificar quais) dizendo “você é fake news” e “rapaz, já falei pra você ficar quieto, só vou responder a senhora aqui”. Completa dizendo “o que mais grande parte da imprensa quer é botar no meu colo a responsabilidade por mortes. é um vírus politizado” e dizendo expressamente que há estados inflando o número de mortos pela doença. Ao final, fala: “essa imprensa lixo chamada Globo. ou melhor, lixo dá pra ser reciclado, Globo nem lixo é, que não pode ser reciclado”. (registrado no minuto 6:40 e 10:40 do vídeo)
Impedimento Informativo
O presidente diz: “No dia de ontem também, Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, a mesma manchete, combinados. “Não queremos negociar”. vírgula. e depois não fala nada… tentando levar a opinião pública pra um lado que eu quero o retrocesso.”. Depois, se recusa a responder perguntas de jornalistas da Folha e d’O Globo. “Globo nem devia estar aqui”. Completa com “respeitem a liberdade de expressão” ao falar de sua participação em atos contra o STF e o Congresso. (registrado no minuto 3:40 do vídeo)
Exposição de jornalista/comunicador
Eduardo Bolsonaro compartilha montagem comparando Vera Magalhães com um boneco Playmobil, dizendo “Ok, atualizada com sucesso. Falta só o óculos. Alguém me ajuda?”
Deslegitimação do trabalho da imprensa
Jair Bolsonaro chega em coletiva de imprensa acompanhado de ator trajado de presidente da república, que dá bananas aos jornalistas presentes, até que estes se retiram
Impedimento Informativo, Exposição de jornalista/comunicador
Abraham Weintraub compartilha print mostrando que bloqueou os jornalistas Reinaldo Azevedo, Eliane Cantanhêde e Chico Pinheiro no Twitter, dizendo: “E o resultado é: block geral! Eles que virem seguidores do sem nome, do capiroto, do sete peles, etc! No Carnaval manterei a máxima de Meu Twitter minhas regras”. No mesmo dia, o ministro fez o mesmo com Lauro Jardim, Mônica Bérgamo e Patrícia Campos Mello.
Exposição de jornalista/comunicador, Discurso estigmatizante
Nas redes, Eduardo Bolsonaro compartilha trecho de reportagem de Eliane Cantanhêde sobre o tiro dado em Cid Gomes e diz: “Eu só não vomitei porque eu vi antes de tomar café. Mas fico imaginando se fosse um Bolsonarista na retroescavadeira, como a vidente de Taubaté noticiaria o furo?”. O compartilhamento tem repercussões, e o filho do presidente seguiu fazendo posts ofendendo a jornalista.
Deslegitimação do trabalho da imprensa
Ao ser questionado sobre o desmonte da Biblioteca do Palácio, o presidente diz “vocês só se preocupam com besteira. (…) quem age dessa maneira merece outra banana”, e gesticula o sinal de ‘dar uma banana’ aos jornalistas mais uma vez, em referência à coletiva de imprensa do dia 08/02.
Omissão institucional
Jair Bolsonaro compartilha em seu Twitter notícia da UOL que traz pesquisa apontando que ele foi autor de 58% dos ataques contra jornalistas em 2019 com uma risada de legenda.
Mobilização de conteúdo discriminatório, Deslegitimação do trabalho da imprensa
Após responder uma série de perguntas sobre investigações sobre ele e seus filhos com muita agressividade e ironia, Jair Bolsonaro diz “você tem uma cara de homossexual terrível, nem por isso eu te acuso de ser homossexual. Se bem que não é crime ser homossexual” ao jornalista que o indagava. (registrado no minuto 0:46 do vídeo)
Discurso estigmatizante
Carlos Bolsonaro escreve: “A mídia podre está toda unida em torno de mais uma narrativa boçal, ignorando os verdadeiros criminosos e forçando uma atmosfera de ruminantes espalhando achismos e boçalidades. Forçam uma imbecilidade se tornar um fato político em prol do sistema corrupto! Isso é Brasil!”.
Exposição de jornalista/comunicador
O ministro Abraham Weintraub compartilha matéria do Estadão e diz: “Hoje fui surpreendido pelo péssimo “jornalismo” de Isabela Palhares, que infelizmente “trabalha” no Estadão. Vejam a matéria desta “jornalista” e comparem com o vídeo inteiro de minha fala (8 minutos).”
Mobilização de conteúdo discriminatório, Intimidação institucional
Ao comentar a portaria 666, publicada pelo Ministro da Justiça, Bolsonaro diz em coletiva de imprensa: “Tem que mandar pra fora, quem não presta tem que mandar embora. Não tem nada a ver com o caso desse Glenn não sei o que aí, nada a ver com o caso dele, tanto é que não se encaixa na portaria o crime que ele tá cometendo. Até porque ele é casado com outro homem, e tem meninos adotados no Brasil, tá certo? Malandro, pra evitar um problema desses, casa com outro malandro, ou não casa, ou adota a criança no Brasil. É esse o problema que nós temos. Ele não vai embora, o Glenn pode ficar tranquilo: talvez ele pegue uma cana aqui no Brasil, não vai pegar lá fora não”.
Exposição de jornalista/comunicador
Jair Bolsonaro expôs a repórter Isadora Peron, do Jornal Valor Econômico, após ser questionado sobre suas declarações pejorativas em relação à região Nordeste do país, o presidente respondeu: “pelo amor de Deus, né. Se eu te chamar de feia agora, acabou o mundo. Todas as mulheres vão estar contra mim”.
Saiba mais: ARTIGO 19 repudia ataques às jornalistas Miriam Leitão e Isadora Peron
Discurso estigmatizante, Exposição de jornalista/comunicador
A jornalista Miriam Leitão foi exposta por Jair Bolsonaro, quando questionado sobre o cancelamento da participação da mesma na 13ª Feira do Livro de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina. O Presidente da República ao se manifestar sobre o acontecimento teria dito inverdades sobre a vida da jornalista.
Saiba mais: ARTIGO 19 repudia ataques às jornalistas Miriam Leitão e Isadora Peron
Veja também: 1ª edição da linha do tempo já indicava deterioração da liberdade de imprensa nos primeiros 100 dias de governo