Violações cometidas pela Polícia Militar em manifestação em São Paulo demandam apuração urgente e responsabilização

Organizações repudiam detenções arbitrárias e escalada de violência em repressão a manifestações e apontam urgência da revogação de decreto que legitima violações

A ARTIGO 19, Conectas Direitos Humanos, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo (CONDEPE) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) condenam veementemente a violência policial empregada contra manifestantes e comunicadores que estão acompanhando os atos  contra o aumento da passagem convocados pelo Movimentos Passe Livre (MPL) em São Paulo. Os três atos realizados até o momento foram marcados pela truculência dos agentes de segurança. No mais recente, que aconteceu nesta quinta-feira (16/01/2020), a Polícia Militar, que se encontrava no local, reagiu com força exagerada e desnecessária. Diversos manifestantes e profissionais da imprensa que estavam na região foram agredidos e detidos sem justificativa, em ação que viola a liberdade de expressão, manifestação e de imprensa.

Em vídeos é possível ver o momento em que duas mulheres que seguravam faixas durante o ato foram golpeadas por um mata-leão de policiais. Logo em seguida, uma terceira agressão foi registrada contra a ativista Andreza Delgado, que foi arrastada pelos cabelos em parte do percurso. Em todos os casos, a violação é agravada pela prática de violência contra as mulheres. As imagens mostram uma situação inaceitável, que demanda respostas urgentes: a apuração das violações cometidas, com a devida responsabilização do Estado de São Paulo, e a adoção de protocolos transparentes que limitem a violência e arbitrariedade policial. Além disso, é urgente a revogação do Decreto 64.074/2019, publicado há um ano, que possibilita interpretações inconstitucionais para o governo decidir quais manifestações são permitidas, amparando violações como essas.

É grave ainda que, somente nestes três atos, ao menos 44 pessoas já tenham sido detidas de forma arbitrária, incluindo a prática de detenção para averiguação, que não é permitida pela legislação brasileira e internacional (segundo o art. 5º, LXI, da Constituição Federal e art. 7 do Pacto S. José da Costa Rica).

Sobre a revogação do decreto 64.074/2019

Organizações da sociedade civil e entidades do próprio poder público acionaram, em janeiro de 2019, as relatorias especiais das Nações Unidas (ONU) e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pedindo a revogação do Decreto 64.074/2019 que, segundo as organizações, traz vários dispositivos inconstitucionais e incompatíveis com processos democráticos. A normativa exige que todo protesto com mais de 300 pessoas seja notificado às forças policiais com no mínimo cinco dias de antecedência, determina que o trajeto seja decidido pelos órgãos de segurança pública, transformando o aviso prévio em uma autorização estatal. Criminaliza ainda o uso de máscaras em manifestações e o porte de objetos absolutamente legítimos, como bandeiras, entre outros pontos.

No documento, enviado no ano passado, as entidades pedem o auxílio dos organismos internacionais para interpelar o poder público brasileiro e pedir que sejam adotadas medidas urgentes para remediar a situação, como a criação de um protocolo de uso da força transparente e o não uso de maneira desnecessária e desproporcional, a interrupção permanente da prática de detenções arbitrárias de manifestantes, o fim de práticas de vigilância e a imediata revogação do decreto. Em resposta, os relatores manifestaram preocupação com o conteúdo do decreto e com o fato dele ter sido realizado pelo Executivo sem consulta ao Legislativo, solicitando sua revogação ao governador.

Em dezembro do ano passado, a relatoria especial para liberdade de expressão e a CIDH aprovaram ainda parâmetros relacionados a protestos, que incluem a obrigação do poder público de respeitar, proteger e facilitar o exercício desse direito. Entre as recomendações, a CIDH incluiu no documento queas forças de segurança zelem pela integridade física das pessoas nos protestos e coiba violências, incluindo as praticadas por agentes públicos. Também chama o poder judiciário a investigar e responsabilizar as autoridades responsáveis por ações violentas e restritivas. Considerando a gravidade da situação e o evidente descumprimento de legislações nacionais e parâmetros internacionais, cobramos um posicionamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo sobre as violações ocorridas ontem e o compromisso de cessar as práticas violentas, ilegais e desproporcionais.

Ainda que o Ministério Público exerça seu dever constitucional de controle externo das forças policiais e que as instituições públicas não poupem esforços para que o estado de São Paulo seja responsabilizado pelas ações reiteradas e coordenadas de restrição ao direito de manifestação. Por fim, solicitamos o afastamento imediato das autoridades direta e indiretamente responsáveis pelos abusos praticados.

Neste momento, é importante que  todas as esferas de poder cumpram seu dever de garantir direitos e impedir ações que, além de violar direitos individuais, buscam restringir práticas essenciais para Estados democráticos, como a manifestação pública, a crítica e o protesto.

Assinam esta nota:

ARTIGO 19
Conectas Direitos Humanos
Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de Sâo Paulo (CONDEPE)
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM

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