Somente um caso avança entre 22 homicídios de comunicadores monitorados pela ARTIGO 19

No mês em que se marca o Dia mundial de luta contra a impunidade em crimes contra comunicadores (02/11), monitoramento realizado pela ARTIGO 19 mostra que resposta do poder público ainda é insuficiente e corrobora com a perpetuação do cenário de risco em que comunicadores se encontram no Brasil. Cenário reforça importância de aprovação de recomendação nessa frente pelo Conselho Nacional do Ministério Público

O dia 02 de novembro é o Dia Mundial pelo Fim da Impunidade em Crimes contra Comunicadores, data que lembra a urgência da questão, mas em que, infelizmente, não há muito o que comemorar neste ano: entre os 22 casos de homicídios de comunicadores que aconteceram entre 2012 e 2016, monitorados pela ARTIGO 19 , somente um caso teve andamento satisfatório, com sentença proferida, no Brasil em 2019.

A data emblemática é um marco importante para destacar um dos aspectos centrais na reprodução e intensificação da violência contra comunicadores ao redor do mundo. Segundo a UNESCO, 90% dos autores de assassinatos contra jornalistas continuam impunesNo Brasil, em 2018, somente 18% dos casos haviam tido uma conclusão satisfatória, com alguma sentença condenatória. Ao mesmo tempo, cerca de 60% dos casos apresentavam um andamento considerado insatisfatório, com investigações insuficiente ou inconclusivas, casos arquivados ou inquéritos policiais ainda em andamento mais de dois anos após o início das investigações. Desde então, a situação permanece basicamente a mesma, com avanço em apenas um caso: o do radialista Gleydson Carvalho, assassinado em agosto de 2015, em Camocim, no Ceará.

O ciclo do silêncio

A ARTIGO 19 monitora sistematicamente as violações contra comunicadores no Brasil e também acompanha o cenário de impunidade que caracteriza essas violações. Em novembro de 2018, a organização lançou uma nova edição de seu relatório “O Ciclo do Silêncio: impunidade em homicídios de comunicadores no Brasil”. A publicação analisa o andamento de 22 casos de homicídio de comunicadores que ocorreram no país entre 2012 e 2016. Um ano depois do lançamento do relatório, quase nada mudou.

De acordo com o coordenador do programa de proteção e segurança da ARTIGO 19, Thiago Firbida, esse cenário de impunidade se explica em grande medida pelas características dos crimes contra comunicadores. “São crimes que vitimam pessoas cuja atividade regular, remunerada ou não, é a busca e difusão de informações de interesse público, em geral realizando denúncias contra pessoas poderosas em suas localidades. Desses 22 casos analisados, cerca de 70% aconteceram em cidades pequenas, com menos de 100 mil habitantes e em 54% o suspeito de ser mandante do crimes é um agente do Estado (político, policial ou outro agente público)”, detalha.

Também é típica desse tipo de crime a prática de emboscada com contratação de intermediários. Nesses casos, a existência de um executor contratado ajuda a afastar o mandante do crime, muitas vezes pessoas de poder político e/ou econômico, do cenário e dificulta as investigações. Nos poucos casos em que há abertura de ação penal e a condenação de envolvidos nos crimes, em geral, só há a identificação e condenação dos executores, não dos mandantes.

O fato de que muitos desses crimes acontecem em cidades pequenas e envolvem pessoas poderosas localmente gera ainda suspeitas de interferência ou pressão por parte desses mandantes no processo investigativo em vários casos. Por fim, mesmo quando as autoridades procuram conduzir o inquérito adequadamente, a própria falta de estrutura e recursos nas delegacias para a investigação de crimes com esse nível de complexidade impede uma conclusão satisfatória dos inquéritos policiais.

Recomendações

Nesse sentido, o monitoramento que a ARTIGO 19 vem realizando sobre a questão da impunidade a partir da análise dos casos de homicídio de comunicadores indicam caminhos que poderiam ajudar no enfrentamento ao problema. 

O primeiro deles diz respeito à adoção de boas práticas investigativas, particularmente privilegiando, como linha investigativa, a atividade de comunicador da vítima como possível motivação para o crime. Além disso, a rápida coleta e junção de provas aos inquéritos, participação de grupos especializados na investigação desses crimes e baixa rotatividade de autoridades na investigação são elementos que têm se mostrado eficientes para melhoria da qualidade dessas investigações.

Por fim, outro ponto essencial ao enfrentamento da impunidade é o efetivo engajamento do Ministério Público desde o início das investigações, exercendo sua função constitucional de controle externo da atividade policial e demandando eficiência e celeridade das investigações. Nesse sentido, a ARTIGO 19 ressalta a urgência da aprovação da recomendação que orienta promotores sobre procedimentos específicos a serem adotados em crimes contra comunicadores pelo Conselho Nacional do Ministério Público. A proposta de recomendação foi apresentada ao Conselho em maio de 2018 e, desde então, não foi apreciada.

O monitoramento contou com a colaboração de João Telésforo de Medeiros e Lucas Mourão

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