Um dos últimos atos da presidenta Dilma Rousseff antes de seu afastamento foi a publicação, no último dia 11 de maio, do decreto 8771, que regulamenta o Marco Civil da Internet. Embora o texto do decreto não aborde questões relevantes para o desenvolvimento da internet no Brasil – como aquelas relacionadas ao acesso à rede –, ele traz garantias importantes para a liberdade de expressão on-line.
A mais importante delas é a reafirmação da neutralidade da rede. O tema é tratado no artigo 3º do decreto, que afirma que a “exigência de tratamento isonômico (…) deve garantir a preservação do caráter público e irrestrito do acesso à internet (…)”, e também no artigo 4º, que diz que “a discriminação ou a degradação de tráfego são medidas excepcionais, na medida em que somente poderão decorrer de requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada de serviços e aplicações ou da priorização de serviços de emergência”.
O decreto traz ainda medidas de transparência importantes para os casos de requisição de dados cadastrais que forem feitos por autoridades administrativas, sem prejuízo para as solicitações de informações feitas via Lei de Acesso à Informação.
Além de precisar de fundamentação legal de “competência expressa” e de descrever o motivo para as requisições de acesso a dados cadastrais, a autoridade máxima de cada órgão da administração pública federal deverá publicar anualmente em seu site relatórios estatísticos dessas requisições. Os relatórios, por sua vez, devem conter o número de requisições feitas, a listagem dos provedores de conexão e provedores de aplicações aos quais os dados foram requeridos, o número de requisições deferidas e indeferidas e o número de usuários afetados pelas requisições.
Com relação à retenção de dados, o decreto traz obrigações de adoção de padrões de segurança e exclusão de dados bastante oportunos. Entre elas estão a definição de responsabilidades das pessoas que terão acesso aos dados armazenados, o estabelecimento de mecanismos de autenticação para que esse acesso ocorra, a necessidade de um inventário detalhado sobre como se deram os acessos aos dados e o uso de criptografia.
Por fim, para a fiscalização e apuração de infrações, o decreto estabeleceu um mecanismo de responsabilidades compartilhadas, com observância das diretrizes do CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil). Dessa forma, cada órgão atuará no âmbito de sua competência de maneira colaborativa com outros órgãos da administração pública federal.
Em vigor desde 2014, o Marco Civil da Internet permaneceu quase dois anos sem regulamentação. A demora justificou-se pelo amplo debate público sobre o texto do decreto, promovido pelo Ministério da Justiça e outros órgãos, como CGI.br e a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Para a ARTIGO 19, a abertura de contribuições para a formulação do decreto foi necessária e oportuna para consolidar toda a metodologia participativa adotada ao longo de processo de construção da lei. Com o processo finalizado, a vigência do decreto tornou-se uma necessidade.
Por tratar-se de resposta à sociedade civil que participou ativamente de todo o processo de formulação, aprovação e regulamentação do Marco Civil da Internet, a ARTIGO 19 demanda ao presidente interino Michel Temer que não revogue o decreto relatório, protegendo também dessa forma direitos de toda a sociedade relativos à internet.
Foto: Jonas Pereira/Agência Senado