Caso Alex Silveira: um risco para a cobertura de protestos

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O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reformou a decisão que havia determinado a indenização ao fotógrafo Alexandro Wagner Oliveira da Silveira, conhecido como Alex Silveira. O pagamento havia sido designado para fins de reparação de danos morais e materiais, uma vez que o fotógrafo perdeu a visão de seu olho esquerdo após ser alvejado por um tiro de borracha da tropa de choque da Polícia Militar, enquanto trabalhava fazendo a cobertura de uma manifestação popular na capital paulista, em 2000.

O desembargador relator do caso, Vicente de Abreu Amadei, que cancelou a indenização ao fotógrafo, baseou sua decisão nas alegações de que a repressão não foi abusiva, que a lesão não foi comprovadamente decorrente da ação policial e que Alex seria responsável pelos danos ocorridos, por ter assumido o risco de permanecer na manifestação durante a repressão policial.

Para justificar o uso da força policial na manifestação, que impedia o fluxo de veículos em um sentindo da Avenida Paulista e avançava para a paralisação completa da via, o relator argumentou na decisão que “não autoriza afirmar que tenha havido abuso ou excesso na referida conduta policial atrelada ao tal disparo, observando não só a circunstância de indevido bloqueio de tráfego de via pública pelos manifestantes…”. Manifestações em vias públicas são comuns. E no entendimento dos mecanismos internacionais de direitos humanos, o Poder Público não deve reprimir uma manifestação ou proibi-la, em decorrência de impedimentos do fluxo de veículos, visto que um certo nível de perturbação à normalidade é inerente a uma manifestação. As medidas da ação policial devem garantir que as manifestações possam ocorrer e, portanto, a justificativa de impedir o bloqueio do tráfego apontada pela justiça não é legítima.

Nas hipóteses em que alguma intervenção se faz necessária, a iniciativa de negociação da força policial com os manifestantes se mostra como medida mais adequada para o atendimento dos interesses comuns. E, em caso de extrema necessidade, a força deve ser usada de forma proporcional e pontual, a fim de neutralizar os focos de violência individualmente e preservar o direito e a integridade de todos os presentes. Os fatos demonstram que a conduta policial na ocasião não atendeu aos requisitos de necessidade e proporcionalidade, uma vez que a vítima em questão estava em pleno exercício profissional, de forma pacífica e legítima.

O ferimento ocasionado em Alex demonstra ainda que as armas de menor letalidade foram utilizadas de maneira abusiva e inadequada, uma vez que o projétil atingiu o olho da vítima, contrariando os protocolos internacionais que estabelecem que o disparo de balas de borracha deve ser direcionado apenas aos membros inferiores. Ou seja, um contexto de protesto tumultuado não justifica o uso a esmo e inconsequente de armas menos letais por parte da polícia.

Em um contexto de ação ilegal e desmedida por parte da força pública, atribuir a responsabilidade a Alex, que estava em pleno exercício da atividade jornalística, é um prejuízo ao interesse público e à própria democracia, uma vez que o acompanhamento dos protestos realizado pelos meios de comunicação é de suma importância para informar a sociedade e também proteger os manifestantes. Os relatos e os registros provenientes desse tipo de trabalho não só levam os acontecimentos ao público, mas também visibilizam as violações de direitos e quem as comete, sendo um importante fator de inibição de violência.

Assim, a decisão do Tribunal cria um precedente que ameaça a liberdade de imprensa, tendo em vista que situações similares ocorreram recentemente e que outros comunicadores que cobrem protestos estão frequentemente sendo vítimas de ações violentas e desmedidas dos agentes policiais. Tal entendimento legitima futuras violações, colocando em risco a integridade dos profissionais que desempenham papel essencial a toda sociedade e à liberdade de expressão.

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