O judiciário brasileiro tem cada vez mais se mostrado um forte ator na restrição à liberdade de expressão. A censura pela via judicial tem se tornado uma triste realidade na vida de jornalistas, blogueiros, ativistas e usuários da internet.
Além de decisões que determinam a retirada de conteúdos legítimos – muitas vezes de interesse público – e condenações criminais por calúnia, difamação e injúria, há um número crescente de decisões determinando o pagamento de indenizações altíssimas e desproporcionais, atingindo por vezes a própria subsistência dos condenados.
Dois casos emblemáticos ilustram esta grave situação. No primeiro, o renomado jornalista e blogueiro, Paulo Henrique Amorim, teve sua conta bancária bloqueada pela justiça do Rio de Janeiro devido a três condenações que atingiram o valor de R$ 450 mil, a ser pago ao banqueiro Daniel Dantas como indenização em virtude de matéria publicada no blog “Conversa Afiada”. A matéria reproduzia vídeo exibido no Jornal Nacional em que funcionários de Dantas pagavam propina a policiais federais responsáveis pela operação Satiagraha, que investiga o banqueiro.
No segundo caso, a blogueira Alcinéa Cavalcante foi condenada pela justiça do Amapá ao pagamento de mais de R$ 2 milhões ao senador José Sarney, após ser processada e ter perdido em mais de 20 ações judiciais movidas pelo senador. Em 2006 Alcinéa publicou em seu blog, “alcinea.com”, uma campanha com o adesivo escrito “o carro que mais combina comigo é o camburão da polícia” e disse que as pessoas deviam colar no carro dos candidatos que combinassem com essa afirmação. Um dos usuários de seu blog fez um comentário sobre Sarney, que processou diretamente a blogueira.
A partir daí, a cada matéria publicada em que aparecia o nome de Sarney, o senador entrava com uma ação judicial contra a blogueira. Na semana passada, após a condenação em mais de 20 ações, a justiça do Amapá determinou o bloqueio da conta de Alcinéa, conta na qual recebe sua aposentadoria, seu único meio de sustento.
Em ambos os casos, as restrições são desnecessárias e desproporcionais à liberdade de expressão, visto que não respeitam os padrões internacionais que determinam que qualquer restrição à liberdade de expressão deve estar prevista em lei e ser realmente necessária à proteção de direitos e reputações de outros, à proteção da segurança nacional, da ordem pública, da saúde e da moral públicas.
Ainda, os padrões internacionais determinam que as medidas restritivas contra a liberdade de expressão devem ser as menos intrusivas possíveis, devendo-se sempre buscar o meio efetivo menos restritivo à liberdade de expressão.
A ARTIGO 19 acredita que se estes padrões fossem seguidos, decisões como estas não seriam proferidas pelo judiciário. Os casos demonstram a ilegitimidade das restrições, visto que no primeiro caso a matéria é claramente de interesse público e no segundo, a blogueira foi processada por um comentário de terceiro.
Além disto, as indenizações determinadas pela justiça são flagrantemente desproporcionais e abusivas, atingindo a própria subsistência dos condenados. Em ambos os casos, a justiça determinou o bloqueio das contas dos blogueiros, o que significa que estão totalmente privados financeiramente. Estas decisões se mostram desarrazoadas e ultrapassam em muito a proporção do ressarcimento do dano possivelmente causado.
Uma condenação destas, não somente fere a liberdade de expressão como gera um efeito congelante sobre ela, por inibir pelo bolso, jornalistas, blogueiros e usuários da internet em geral de publicarem conteúdos de interesse público.