Ordem executiva do governo Trump é inconsistente e atenta contra a cooperação internacional
A ARTIGO 19 Brasil e América do Sul expressa sua perplexidade e indignação frente à ofensiva do governo dos Estados Unidos contra o Brasil com base em supostas violações de direitos humanos, perseguição a opositores e práticas comerciais desleais.
Fazem parte desse conjunto de represálias a imposição de tarifas adicionais sobre produtos exportados pelo Brasil, a suspensão de visto de Ministros do Supremo e da Procuradoria-Geral da República (PGR) e a aplicação das sanções da Lei Global Magnitsky ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
A ARTIGO 19 vem trabalhando no país desde 2007 junto a movimentos, organizações, autoridades, academia e setor privado para o fortalecimento e aprimoramento dos mecanismos, instituições, processos e salvaguardas para a garantia dos direitos humanos e do exercício da liberdade de expressão.
Em muitos momentos, a ARTIGO 19 criticou e ainda critica decisões judiciais, práticas institucionais e linhas políticas de governos, apontando violações e omissões do Estado em temas centrais para o exercício da liberdade de expressão e outros direitos humanos. Sob o atual governo, continuamos tendo uma atuação independente e que, graças ao ambiente democrático, não acarretou qualquer forma de represália por parte das autoridades públicas.
É preocupante que, em um contexto de graves violações aos direitos humanos ao redor do mundo, inclusive com fortes indícios de um genocídio em curso em Gaza, perseguição à imigrantes e crescentes conflitos com graves consequências humanitárias, a administração Trump opte por impor sanções unilaterais ao Brasil, supostamente em nome da garantia de direitos. As tarifas aplicadas, ademais, impactam mais intensamente países pobres, inibindo seu crescimento. De fato, tais medidas contribuem diretamente para a concentração de poder e aumento da desigualdade.
Essa intimidação por parte dos Estados Unidos é resultado direto da operação de forças políticas da extrema direita brasileira, que atuam com foco em livrar-se de processos, julgamentos e responsabilização por eventuais violações que tenham cometido precisamente contra as instituições e o estado democrático de direito. Jair Bolsonaro, inclusive, foi denunciado por diversas organizações perante o Tribunal Penal Internacional (TPI) por graves violações, como pelo crime de genocídio contra povos indígenas.
A ARTIGO 19 valoriza o multilateralismo, o direito internacional e o diálogo entre nações. Em situações graves de violações de direitos humanos e asfixia política, a sociedade civil organizada tem na pressão internacional uma das suas principais ferramentas para a garantia de direitos. Exatamente por isso, levamos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), um pedido de medidas cautelares para tentar localizar Dom Philips e Bruno Pereira no Vale do Javari em 2022, quando o governo brasileiro era completamente omisso.
Os atos da administração Trump não estão alinhados, de forma alguma, aos parâmetros do direito internacional de direitos humanos. Pelo contrário, eles minam a capacidade do sistema internacional, retirando-se de acordos e órgãos multilaterais, desfinanciando organizações e interferindo indevidamente em questões domésticas e regionais.
Antes dos Ministros do STF e da PGR, Trump já havia imposto sanções aos integrantes do TPI, o órgão internacional competente e legítimo para investigar e punir autoridades responsáveis por crimes contra a humanidade e à relatora especial para os territórios Palestinos da ONU, Francesca Albanese.
O Brasil, por outro lado, tem um compromisso histórico para reformar, democratizar, ampliar a representatividade e conferir poder às instâncias de diálogo e fóruns de decisões globais. Igualmente, o país trabalha para uma relação produtiva e respeitosa no contexto regional e sul-sul.
Em sua missão de defesa e promoção da liberdade de expressão, a ARTIGO 19 Brasil e América do Sul reconhece que há ainda um caminho a ser percorrido no país. Seja por meio de políticas mais sólidas de proteção a defensores de direitos humanos e comunidades, pelo aperfeiçoamento dos parâmetros interpretativos da garantia liberdade de expressão, pela quebra da concentração de poder político e econômico nas mídias digitais e tradicionais, mas também pelo aumento da transparência e da participação nas instituições públicas.
No entanto, esses avanços só serão conquistados se forem ancorados em processos participativos e democráticos, calcados em um compromisso intransigente com a garantia dos direitos humanos.