Corte IDH emite parecer sobre emergência climática e direitos humanos

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) publicou, no último dia 3 de julho, sua Opinião Consultiva sobre emergência climática e direitos humanos (OC-32/25).  Trata-se do ápice de um processo que teve início em janeiro de 2023, quando Chile e Colômbia levaram à Corte um pedido de Parecer Consultivo sobre as obrigações dos Estados para responder à emergência climática no âmbito do direito internacional dos direitos humanos. 

Esse foi um pronunciamento muito aguardado, tanto pela importância do tema, quanto pelo alto grau de participação que houve perante a Corte. Mais de 260 observações escritas foram submetidas e 185 delegações compareceram às audiências públicas presenciais ocorridas três cidades: Barbados, Brasília e Manaus.  

A ARTIGO 19 realizou sustentação oral perante a Corte, explorando o papel do direito de acesso à informação, bem como da atuação de comunicadores e jornalistas, para o enfrentamento da emergência climática. 

Esta não foi a primeira vez que a Corte IDH analisou questões ambientais, mas este novo parecer consultivo trouxe alguns posicionamentos que avançaram na jurisprudência interamericana, como o reconhecimento da natureza como sujeito de direitos e o reconhecimento de um direito autônomo a um clima saudável e que deve se articular aos direitos da natureza 

Entre os temas que a ARTIGO 19 Brasil e América do Sul acompanha de perto, destacamos que a Corte aprofundou sua análise sobre os direitos procedimentais que são fundamentais para a ação climática, quando comparamos com o entendimento firmado pela própria Corte na OC-23/17, sobre meio ambiente e direitos humanos. 

A Corte destacou a conexão, frente à emergência climática, entre democracia, Estado de Direito e direitos humanos, recorrendo ao Princípio 10 da Declaração do Rio e ao Acordo de Escazú. Nesse sentido, ressaltou: 

” […] o caráter essencial das medidas que visam fortalecer o Estado de Direito democrático como estrutura para a proteção de todos os direitos humanos contra as ameaças decorrentes da emergência climática. Nesse contexto, ademais, o fortalecimento da democracia é essencial para assegurar a legitimidade das decisões estatais e a eficácia da ação pública”.  

Neste parecer consultivo, foi considerado essencial que os Estados assegurem a plena vigência dos direitos processuais, sob um padrão de devida diligência reforçada. Esse padrão implica não apenas a consagração normativa desses direitos, mas também o fortalecimento das capacidades técnicas e jurídicas do Estado para garantir o envolvimento mais amplo e efetivo dos cidadãos na resposta à emergência climática. 

Ainda em relação aos direitos procedimentais, destacamos que a Corte tratou, também de forma inovadora, do direito à ciência e ao reconhecimento dos saberes locais, tradicionais e indígenas. Aqui, o direito à ciência foi entendido não apenas como direito de acesso aos benefícios que derivem da cultura em sentido estrito, mas também do acesso à cultura. 

Em matéria de acesso à informação, a Corte considerou que os Estados têm de estabelecer sistemas e mecanismos adequados para a produção, coleta, análise e disseminação de informações relevantes para a proteção dos direitos humanos no contexto da emergência climática. Sobre a produção da informação, destacamos dois elementos citados pela Corte: 

  • a necessidade de integrar diferentes tipos de conhecimento e que os Estados devem incentivar e apoiar a pesquisa participativa e a coleta de dados conduzidas por, entre outros, comunidades, instituições acadêmicas e organizações locais, especialmente aquelas que adotam uma abordagem interseccional.  
  • Que os Estados devem assegurar que as empresas comuniquem publicamente informações precisas e acessíveis sobre os impactos climáticos de suas atividades 

Apesar de ter lembrado que, nos esforços para enfrentar a desinformação climática, os Estados devem respeitar a liberdade de expressão e abster-se de impor restrições que impliquem em censura prévia ou limitem de forma arbitrária ou desproporcional a liberdade de expressão, a afirmação da dimensão positiva da liberdade de expressão foi bastante limitada 

Mesmo quando a Corte mencionou a utilidade de mecanismos para monitorar a qualidade e a precisão das informações climáticas, como ferramentas de verificação de fatos (fact-checking), quase nada falou do papel do Estado em garantir um ambiente propício para o exercício do jornalismo.  

Além disso, mesmo tendo se mostrado especialmente preocupada com a desinformação climática frente a grupos vulneráveis, estratégias e ferramentas comunitárias de comunicação comunitária não foram lembradas. 

No entanto, avaliamos positivamente que, entre os direitos procedimentais, a Corte tenha mencionado o direito a defender direitos e a proteção de pessoas defensoras do meio ambiente 

Entre os riscos que as pessoas defensoras enfrentam, foram citados a repressão a protestos sociais, a censura a debates sobre clima e meio ambiente, a violência digital, a criminalização e o assédio judicial (ou SLAPP, na sigla em inglês). De fato, a ARTIGO 19 vem chamando atenção para a repressão a protestos no contexto da COP 3O.  

Sobre proteção de pessoas defensoras dos direitos humanos, destacamos que, para a Corte:  

“Os Estados também têm a obrigação de adotar as medidas necessárias para estabelecer, ou, quando apropriado, fortalecer, programas nacionais de proteção que incluam uma abordagem interseccional. Esses programas devem servir para promover o diálogo social e ser concebidos e adotados com a participação efetiva de todos os atores sociais relevantes, incluindo, no mínimo, empresas, sindicatos, ONGs e defensores ambientais. Além disso, devem incluir estratégias específicas para garantir a vida, a integridade e a reputação dos defensores ambientais, levando em consideração o risco adicional enfrentado por mulheres defensoras, jornalistas, membros de comunidades rurais e membros de comunidades afrodescendentes e indígenas”. 

Por fim, destacamos que a Corte Interamericana deu um passo importante no desenvolvimento da sua jurisprudência ao mencionar a cultura entre os direitos substantivos que são afetados pela emergência climática.  

Como exploramos na publicação “Liberdade artística sob a perspectiva do direito internacional dos direitos humanos”, a liberdade artística e os direitos culturais não têm sido muito analisados pelos órgãos internacionais de direitos humanos. A própria Corte Interamericana vinha abordando do tema da cultura principalmente como uma das dimensões do direito à propriedade coletiva de povos indígenas e tradicionais. 

 Assim, deve ser celebrado que neste Parecer Consultivo a Corte IDH tenha, pela primeira vez, enunciado o dever estatal de proteger o direito à cultura no contexto da emergência climática.  

Para a ARTIGO 19, ter a Corte reconhecendo a relação entre arte, cultura e clima era um dos seus principais objetivos ao realizar a campanha “Mulheres Livres para se Expressar: a arte pela Amazonia”. Ainda que neste caso, o Parecer da Corte tenha se concentrado no patrimônio cultural, trata-se de um avanço relevante e que dialoga com o relatório recentemente publicado pela REDESCA sobre os impactos das inundações no Rio Grande do Sul. 

Para a Corte:  

“Os Estados têm deveres específicos no contexto da emergência climática para proteger o direito à cultura. Em particular, o Tribunal considera que os Estados devem levar em consideração em seus planos de adaptação climática: (i) medidas para a proteção, conservação e valorização do patrimônio natural e cultural; (ii) os efeitos dos desastres climáticos em sítios arqueológicos e culturais naturais; (iii) a importância de envolver comunidades locais, povos indígenas e tribais e gestores do patrimônio na concepção e implementação de estratégias destinadas à sua proteção; e (iv) o valor essencial da pesquisa científica e técnica no aperfeiçoamento de métodos de intervenção para enfrentar os perigos representados pela emergência climática ao patrimônio cultural e natural, incluindo práticas baseadas em conhecimentos tradicionais”.  

Esperamos que a partir desse avanço, a Corte aproveite próximas oportunidades para tratar mais diretamente do direito à liberdade de expressão artística, do dever proteção das pessoas artistas e trabalhadoras da cultura, da relação entre arte e democracia, e de políticas públicas de acesso à cultura. 

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