ARTIGO 19 aciona CIDH contra desocupação do Teatro de Contêiner Mungunzá em São Paulo

Em 28 de maio, a equipe da Cia. Mungunzá foi surpreendida ao receber uma notificação da Prefeitura de São Paulo exigindo a desocupação do Teatro de Contêiner em até 15 dias. A notificação foi expedida com a justificativa de construir um “hub de moradia social” no terreno onde está localizado o Teatro, na região da Luz, local utilizado por defensores de direitos humanos, ativistas, artistas moradores e frequentadores da região da Cracolândia. 

Ao longo de uma década, o Teatro de Contêiner tem atuado como um dos únicos e mais importantes espaços socioculturais a promover atividades voltadas a população em situação de extrema vulnerabilidade social na região central. O espaço em que o Teatro foi construído é um terreno da Prefeitura Municipal, e estava em completo desuso até 2016, quando a Cia. Mungunzá, utilizando recursos próprios, resolveu construir um equipamento de cultura para a população local.  

Localizado atrás da Estação da Luz do metrô, o espaço é movimentado e próximo à Cracolândia, razão pela qual a Cia. decidiu direcionar seus esforços para transformar o espaço público ocioso em um potente equipamento de interesse público. Desde então, integrantes da Cia. e outros coletivos que atuam no território, como o Projeto Birico, o Teto, Trampo e Tratamento (“TTT”) e o Pagode na Lata, realizaram mais de 4.000 ações com foco em promover ações de cidadania e cultura – com atuação sendo reconhecido inclusive no relatório da visita da REDESCA ao Brasil. 

De modo integrado ao entorno, o Teatro também funciona como importante espaço de convivência: na área externa, abriga uma quadra de futebol, mobiliários, um jardim-horta hidropônico e um parquinho, que recebe no contraturno escolar as crianças das três grandes ocupações de moradia vizinhas: Mauá, Prestes Maia e Gusmões. Já na área interna, o espaço não somente conta com apresentações teatrais e musicais, mas também abre suas portas para atividades da sociedade civil, como reuniões, rodas de conversa e atos políticos. 

Despejar o Teatro de Contêiner, em uma cidade com inúmeros terrenos ociosos, inclusive na mesma região em que o teatro se encontra, se mostra como uma estratégia política de enfraquecimento de políticas sociais e culturais e de iniciativas que provem potentes ações de arte no país, além de promoverem cuidado, diálogo e transformação social para uma população marginalizada. O Poder Público, ao invés de despejar importantes espaços de cultura, deveria assegurar e proteger a sua continuidade. 

É importante salientar que essa decisão se dá em um contexto de proliferação de casos de violação do direito à liberdade artística de artistas e grupos negros, periféricos, favelados e de territórios estigmatizados no país. Nas últimas semanas, também foram reportadas a prisão do MC Poze do Rodo, no Rio de Janeiro, por apologia ao crime e a suspensão de contas de redes sociais do projeto Pagode na Lata. 

É nesse sentido que a ARTIGO 19 Brasil e América do Sul se manifesta contra a desocupação do Teatro de Contêiner, por essa decisão representar não apenas uma ameaça iminente ao direito à liberdade artística e de expressão, mas também à atuação de defensoras e defensores de direitos humanos, artistas e ativistas que desenvolvem, há anos, um trabalho voltado à defesa dos direitos culturais, do direito à cidade, da vida, da integridade física e da saúde da população em situação de rua e em contexto de uso de drogas na região da Cracolândia. 

Por isso, instamos o Governo do Estado e a gestão municipal do prefeito Ricardo Nunes a revogarem a notificação de despejo do Teatro, bem como reiteramos a necessidade de que o Secretário Municipal de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, José Antônio Parente, se manifeste publicamente em defesa da importância cultural que este espaço representa para a cidade. 

Adicionalmente, acionamos a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), requerendo que a Comissão solicite explicações e informações do Estado brasileiro, em seus distintos níveis, a respeito de como será garantida a manutenção das atividades do Teatro e dos demais coletivos que necessitam deste espaço para defender direitos da população em situação de rua e vulnerabilidade no centro de São Paulo.

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