Big techs adquirem uma nova empresa a cada 11 dias

Expansão sem precedentes do poder monopolista das big techs sufoca inovação e diversidade* 

As gigantes da tecnologia estão silenciosamente expandindo seu domínio por meio de uma onda implacável de fusões e aquisições. Uma pesquisa feita pela SOMO – Centro de Pesquisa em Corporações Multinacionais, mostra que a maioria desses negócios escapa à fiscalização regulatória, levantando sérias preocupações sobre seu impacto na inovação, concorrência e sobrevivência de startups, especialmente na União Europeia.  

As descobertas são baseadas no novo Big Tech M&A Tracker da SOMO, um banco de dados de acesso público que oferece uma visão geral da expansão desenfreada das maiores corporações tecnológicas do mundo. 

Principais descobertas 

  • As grandes empresas de tecnologia (Alphabet, Amazon, Apple, Meta e Microsoft) adquiriram pelo menos 191 empresas entre 2019 e 2025: em média, uma nova aquisição a cada 11 dias. 
  • No mesmo período, autoridades de concorrência impediram apenas duas fusões. 
  • Mais alarmante: 184 aquisições não foram notificadas à Comissão Europeia, o que significa que apenas cerca de 4% das fusões dessas grandes empresas foram investigadas. 
  • Cerca de 67% dessas empresas adquiridas encerraram seus sites após a aquisição e, em alguns casos, deixaram completamente de atender clientes. 
  • Empresas sediadas nos EUA foram, de longe, os alvos principais. As da União Europeia (UE) ficaram em segundo lugar. Entre as 27 empresas da UE adquiridas pelas big techs, muitas desenvolviam produtos em inteligência artificial, computação em nuvem e robótica. Notavelmente, 16 dessas tiveram seus sites desativados, levantando preocupações sobre como as big techs estadunidenses sufocam a inovação na Europa. 

A expansão sem precedentes do poder monopolista sufoca a inovação e a diversidade 

A controladora do Google, a Alphabet, anunciou recentemente sua maior aquisição até agora: a startup israelense de cibersegurança Wiz, por impressionantes US$ 32 bilhões, em março. Apesar do valor recorde, existe o risco de que a operação fique abaixo dos limites que exigem fiscalização em jurisdições como a da UE. Este é apenas o exemplo mais recente da estratégia expansionista das big techs. 

Por meio de fusões e aquisições agressivas, as gigantes da tecnologia têm ampliado sua dominância. Autoridades de concorrência ao redor do mundo têm, até agora, permitido essas operações com pouca ou nenhuma fiscalização, apesar dos crescentes apelos por mais responsabilidade.  

Nos últimos dez anos, houve um aumento na vigilância, mas as empresas de tecnologia ainda conseguem driblar as regulamentações. Um relatório da Comissão Federal de Comércio (FTC) dos Estados Unidos da América (EUA) aponta que entre 2010 e 2019, as empresas de tecnologia realizaram 819 transações que não atingiram os limites para serem reportadas segundo as regras de controle de fusões dos EUA. 

Para expor a monopolização pela Big Tech e a falta de controle regulatório, a SOMO está lançando o Big Tech M&A Tracker, um banco de dados que promove transparência e acesso público às informações sobre fusões e aquisições. A análise da SOMO sobre esse banco de dados é apresentada neste artigo. 

Estratégia de fusões e aquisições das big techs escapa ao radar regulatório 

Nossa análise mostra que as grandes empresas de tecnologia adquiriram pelo menos 191 empresas entre 1º de janeiro de 2019 e 1º de janeiro de 2025. Esse número é uma estimativa mínima, já que algumas fusões podem não ter sido registradas nas bases utilizadas. Por exemplo, em 2019, o CEO da Apple, Tim Cook, afirmou: “A Apple compra uma empresa a cada duas a três semanas, em média”. 

Isso significa que, em média, a Big Tech adquiriu uma nova empresa a cada 11 dias nos últimos 6 anos. 

Destaca-se uma desaceleração significativa após 2022. Enquanto entre 2019 e 2022 a média era de 40 aquisições por ano, em 2023 e 2024 os números caíram para 13 e 18, respectivamente. 

Essa queda pode ser atribuída à aplicação mais rigorosa das regras de fusão, especialmente nos EUA sob o governo Biden, e ao aumento das taxas de juros, que dificultaram a obtenção de crédito barato. De fato, o mercado de fusões e aquisições caiu 15% em 2023, e a fiscalização intensa levou ao abandono de nove fusões nos EUA em 2024 — contra apenas duas em 2022. O Reino Unido e a UE também intervieram: o Reino Unido barrou a aquisição da Giphy pela Meta, e a Comissão Europeia contestou a compra da iRobot pela Amazon, que acabou sendo abandonada. 

No entanto, com a segunda administração Trump e seus laços com CEOs das big techs, espera-se um novo impulso nas fusões. Já há sinais disso, como a mencionada aquisição da Wiz, que foi declaradamente acelerada após a eleição de Trump. No verão anterior à eleição, a Wiz rejeitou uma proposta de US$ 23 bilhões da Alphabet, citando preocupações regulatórias como um dos motivos. 

Duas em cada três empresas adquiridas fecharam seus sites após a aquisição 

Além da quantidade de aquisições, é crucial analisar o que acontece com as empresas após serem compradas. Algumas são integradas ao ecossistema da Big Tech, enquanto outras são simplesmente eliminadas ou “esquecidas”. 

Um indicador disso é verificar se os sites das empresas permanecem ativos. No caso de 67% das 191 empresas do banco de dados, os sites foram desativados, encerrados ou redirecionados para os sites das gigantes da tecnologia. Esse dado é condizente com estudos como o de Gautier e Maitry (2024), que mostraram que a maioria dos produtos adquiridos são descontinuados. 

Isso não significa que todas foram encerradas, mas indica perda de autonomia — exatamente o que tornava essas startups atrativas. O fato de 2 em 3 terem fechado seus sites sugere que foram eliminadas ou impedidas de alcançar seu potencial. Um estudo de Ufuk Akcigit e Nathan Goldschlag mostra que aquisições por empresas estabelecidas reduzem a inovação de 6% a 11%. 

Três exemplos de aquisições “assassinas” nos últimos seis anos: 

  1. Em 2020, a Amazon comprou a bluDiagnostics, criadora do FertilityFinder. O projeto foi encerrado em novembro de 2024. 
  1. Em 2020, o Google comprou a StratoZone. Em julho de 2024, a venda do produto foi interrompida e a empresa foi encerrada em setembro. 
  1. A Meta adquiriu várias empresas de Realidade Virtual e Aumentada entre 2019 e 2025. Uma delas, Ready at Dawn, conhecida pelo aclamado jogo Lone Echo, teve um terço da equipe demitida em 2023 e foi encerrada em 2024. 

Esses exemplos indicam como as big techs moldam a inovação para atender seus próprios interesses, aumentando a dependência de seus ecossistemas, restringindo a interoperabilidade e desperdiçando tecnologias promissoras, inclusive em áreas delicadas como saúde e segurança digital. 

Big techs compraram 27 empresas da UE e fecharam 16 sites 

Com o aumento das tensões geopolíticas e o foco dos países na competitividade, a nacionalidade das empresas adquiridas se torna relevante. Nos EUA isso se reflete em tarifas; na China, em capitalismo de Estado; e na UE, em foco na inovação. 

O relatório Draghi destaca a importância da inovação para a competitividade europeia. As aquisições “assassinas” das big techs estadunidenses são um obstáculo sério nesse sentido. A nova comissária da UE para a política de concorrência, Teresa Ribera, está comprometida a enfrentar esses riscos. 

Segundo o banco de dados, as grandes empresas de tecnologia adquiriram 27 empresas da UE entre 2019 e 2025 — incluindo nomes promissores em IA (como Datakalab e Vilynx), cibersegurança (Foreseeti AB), computação em nuvem (KinvolkGmbH) e robótica (Cloostermans). Dessas, 16 (59%) desativaram seus sites após a aquisição. 

Isso levanta sérias preocupações sobre o impacto dessas aquisições no crescimento e na inovação europeia. 

Autoridades devem aplicar regras mais rigorosas de controle de fusões 

As descobertas apontam para uma onda sem precedentes de aquisições por parte das big techs, com quase 200 empresas compradas em apenas seis anos, ameaçando sufocar a inovação. Há uma alarmante falta de fiscalização pública sobre essas operações. 

Segundo o banco de dados de fusões da UE, das 191 aquisições, apenas sete foram notificadas e investigadas, além da Amazon/iRobot, que foi cancelada. O motivo é que empresas não precisam notificar fusões que não atingem os limites baseados em faturamento anual. Isso permite que fusões importantes passem despercebidas — como a aquisição do Instagram pelo Facebook em 2012, que não foi notificada porque a empresa ainda não gerava receita. 

Agora, corre-se o risco de o mesmo acontecer com a compra da Wiz: a subsidiária do Reino Unido, responsável pelas vendas na Europa, teve faturamento de £29 milhões em 2024 — abaixo do limite exigido para notificação à Comissão Europeia. 

Conclusão 

Reguladores precisam de ferramentas mais refinadas, como o poder de convocar investigações mesmo sem atingir os limites de faturamento, além de mecanismos para revisar aquisições anteriores. A análise deve ir além das “aquisições assassinas”, considerando impactos sobre o sistema de inovação, pluralidade de soluções e diversidade no mercado. 

As startups não necessariamente prosperam nas mãos das big techs. Por isso, autoridades e legisladores devem buscar meios para analisar e, se necessário, bloquear essas fusões — promovendo um mercado mais justo onde pequenas empresas possam inovar, crescer e competir.  

*Esse texto é uma adaptação feita pela ARTIGO 19 Brasil e América do Sul da versão original, publicada no site da SOMO em inglês pelos autores: Çağrı Çavuş, Margarida Silva e Jasper van Teeffelen. A ilustração é de Maximo Tuja. 

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