Nota de apoio ao NCDH da DPE SP

A ARTIGO 19 Brasil e América do Sul expressa seu apoio ao trabalho do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos (NCDH) da Defensoria Pública do Estado de São Paulo ao recomendar a não utilização de tecnologias de reconhecimento facial nos blocos de Carnaval em São Paulo. 

Primeiramente, porque o posicionamento do NCDH está alinhado às preocupações dos principais órgãos internacionais de direitos humanos, segundo os quais o uso de tecnologias de reconhecimento facial impacta o exercício dos direitos humanos. Por exemplo, o relatório de 2021 do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos dedicado ao direito à privacidade na era digital explicitou que a mera geração e coleta de dados biométricos afeta o direito à privacidade. Esse relatório menciona expressamente que “o direito à privacidade entra em xeque quando um governo está monitorando um espaço público”.

Além disso, as tecnologias de reconhecimento facial têm efeito particular sobre o exercício das liberdades de expressão, reunião e de associação. Isso porque a privacidade e a liberdade de expressão são direitos que se reforçam mutuamente, pois, para que uma pessoa tenha espaço para pensar, falar e ter sua voz escutada, é um pré-requisito não estar submetida à vigilância constante e ter seu direito à vida privada respeitado.

Por esse motivo, o Relator Especial da ONU para a liberdade de expressão fez um apelo em favor de uma moratória global imediata da venda, transferência e uso de ferramentas de vigilância, o que inclui tecnologias de reconhecimento facial. Nesse sentido, o relator afirmou que ferramentas de vigilância podem interferir nos direitos humanos, desde o direito à privacidade e liberdade de expressão até os direitos de associação e reunião, crença religiosa, não discriminação e participação pública.

De forma semelhante, o Relator Especial da ONU sobre os direitos à reunião pacífica e liberdade de associação declarou que o uso de técnicas de vigilância indiscriminadas sobre aqueles que exercem seu direito de reunião e associação pacífica, tanto em espaços físicos quanto digitais, deveria ser proibido. 

É nesse contexto que o Protocolo modelo para que agentes responsáveis pela manutenção da ordem promovam e protejam os Direitos Humanos no contexto de manifestações pacíficas, publicado em 2024, expressamente previu que as tecnologias de reconhecimento facial e outros sistemas biométricos não devem ser utilizadas para identificar indivíduos que participam pacificamente de uma manifestação. Esse documento foi uma das fontes que embasaram o ofício do NCDH dirigido à Prefeitura de São Paulo. 

Vale destacar que a atuação do NCDH merece ser elogiada não apenas por fazer eco ao posicionamento das organizações de direitos humanos sobre a vedação do uso do reconhecimento facial para o monitoramento de espaços públicos, mas também endossar o entendimento de que o carnaval é um meio para o exercício de uma ampla gama de direitos, como a liberdade de expressão, o direito ao protesto, o direito à cultura e o direito à cidade.

A postura da Prefeitura de São Paulo, ao anunciar o uso do programa Smart Sampa nos blocos de carnaval, reforça um olhar de vigilância e criminalização sobre essa importante manifestação cultural e pode gerar um efeito inibidor sobre expressões políticas. Nesse sentido, cabe lembrar que estigmatizar o carnaval tem sido uma estratégia de forças políticas conservadoras, que atacam as artes e os artistas, mirando especialmente as expressões culturais de grupos historicamente vulnerabilizados. Um exemplo ocorreu no ano passado, quando a Escola de Samba Vai-Vai foi acusada de “demonizar” a atividade policial por conta do seu enredo que reconstruiu a história do Hip Hop no Brasil. 

Por fim, a ARTIGO 19 vê com extrema preocupação a notícia de que as defensoras que assinaram o ofício dirigido à Prefeitura de São Paulo podem sofrer processos administrativos. Esse tipo de estratégia de fazer uso de ferramentas jurídicas para calar vozes críticas é conhecido como assédio judicial ou SLAPPs (Strategic Lawsuit Against Public Participation) e constitui uma ferramenta que tem atingido especialmente mulheres defensoras de direitos humanos e jornalistas.

Por esse motivo, a ARTIGO 19 espera que a Defensoria Pública de São Paulo garanta que as defensoras que atuam com o forte compromisso com a defesa dos direitos humanos possam seguir com seu trabalho, livre de ameaças ou perseguições. 

Icone de voltar ao topo