Corte Interamericana condena o Brasil em dois casos emblemáticos de violações à liberdade de expressão e direitos humanos

A ARTIGO 19 Brasil e América do Sul saúda as decisões proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) neste dia histórico, em que o Brasil foi condenado em dois casos de violações de direitos humanos, incluindo liberdade de expressão: a Chacina Castelinho e o assassinato do trabalhador rural Antonio Tavares.

Em relação ao caso Castelinho – caso liderado pela Defensoria Pública do Estado – a CIDH condenou o Brasil nesta quinta-feira (14/03) por uma operação da Polícia Militar de São Paulo que executou 12 pessoas em uma praça de pedágio da Rodovia José Ermírio de Moraes, conhecida como Castelinho, entre Sorocaba e Itu (SP). A operação ocorreu em 5 de março de 2002, durante a gestão de Geraldo Alckmin como governador de São Paulo. O link da condenação está disponível aqui: https://www.corteidh.or.cr/docs/comunicados/cp_14_2024_port.pdf

Os assassinatos resultaram de uma emboscada premeditada e que foi o ponto culminante de uma operação policial que recrutou presos condenados para cooperar ilegalmente com a polícia. Um ônibus em que estavam as vítimas foi interceptado e alvejado por mais de 700 disparos de armas de fogo. Na época, o trabalho da perícia chegou à conclusão de que não houve reação por parte dos mortos, o que levou ao Ministério Público concluir que se tratou de uma execução. Ainda assim, todos os policiais militares envolvidos foram absolvidos.

A operação ocorreu durante a gestão de Geraldo Alckmin como governador de São Paulo e, apesar das violações cometidas, foi saudada por parte da mídia e da sociedade civil, na época, como um grande sucesso na repressão ao crime organizado.  Naquele contexto, as autoridades de segurança do Estado estavam sob pressão e com sua efetividade questionada por uma série de razões, como o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, e uma megarrebelião em presídio paulistas.

A ARTIGO 19 é amicus curiae (“amigo da Corte”) do caso desde 2023, apontando, especialmente, para a histórica falta de transparência na segurança pública, lembrando de casos como a Chacina do Jacarezinho (2021) e Chacina de Nova Brasília (1994). A negação do acesso a informações relacionadas à segurança pública, inclusive sobre o policiamento ostensivo de regiões periferizadas, é uma estratégia de silenciar a sociedade civil e impedir que questione a atuação abusiva de agentes de segurança. 

Em sua decisão, a Corte Interamericana determinou a implementação de medidas que promovam a transparência e a participação na segurança pública e ordenou, por exemplo, que o Brasil crie um Grupo de Trabalho com a finalidade de esclarecer as atuações do GRADI (Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância) e o envio dos registros de operações policiais que resultem em mortes ou lesões graves de civis aos órgãos de controle interno e externo da polícia do Estado de São Paulo.

A  ARTIGO 19 também destaca que a sentença da Corte Interamericana neste caso representa uma condenação à violência da polícia militar, e foi a segunda no dia de hoje que obrigou o Brasil a reparar vítimas do uso abusivo da força pela polícia. Mais cedo, no marco do caso de Antônio Tavares, liderados por nossos parceiros da Terra de Direitos, Movimento Sem Terra, Justiça Global e Comissão Pastoral da Terra, o Brasil foi responsabilizado pela conduta da polícia do Paraná que, em 2000, causou a morte de Antonio Tavares Pereira e feriu dezenas de outros trabalhadores durante um protesto em defesa da reforma agrária. As duas sentenças também trouxeram uma mensagem clara sobre o dever de o Estado brasileiro suprimir a competência da Justiça Militar de julgar delitos cometidos por militares contra civis.

Para a coordenadora do Centro de Referência Legal da ARTIGO 19, Raquel da Cruz Lima, a decisão de hoje da Corte Interamericana enviou um sinal claro sobre a necessidade de modificar a política de segurança pública brasileira “a prática de execuções sumárias e de abusos pela Polícia Militar de São Paulo continua sendo um problema grave, como é possível ver pela Operação Escudo. A Corte enviou uma mensagem contundente de que esse tipo de prática não deve ser aceita e de que os agentes de segurança envolvidos em violações de direitos humanos deverão ser responsabilizados”. 

A ARTIGO 19 espera que as medidas de reparação sejam cumpridas com celeridade pelo Estado brasileiro. De acordo com Raquel, “esse caso oferece uma primeira oportunidade para que o Tribunal de Justiça de São Paulo demonstre a efetividade da sua Unidade de Monitoramento e Fiscalização de decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a qual foi criada neste ano com o objetivo garantir a celeridade do cumprimento de decisões do sistema interamericano. Seria muito positivo que esse órgão auxiliasse também a expandir o escopo da sentença da Corte Interamericana e assegurar a reparação de todos os 43 familiares das 12 vítimas fatais do caso”, conclui a coordenadora do Centro de Referência Legal da ARTIGO 19 Brasil e América do Sul.

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