Um grupo de pesquisadores e de ativistas ligados aos direitos humanos fizeram um alerta nesta sexta-feira (19) para o risco de crescimento dos casos envolvendo discurso de ódio e discriminatório na internet. Em seminário promovido pela ARTIGO 19, os painelistas comentaram situações reais em que o extremismo político e a violência, sobretudo contra as mulheres, se beneficiaram da falta de uma regulação adequada das redes no Brasil.
O seminário foi realizado de forma virtual, com a participação de aproximadamente 50 pessoas, de várias partes do país, incluindo acadêmicos, ativistas e parlamentares. Na parte da manhã, os participantes debateram o tema “Direitos Digitais, Tecnologia e Diversidade: Desafios e Perspectivas”. À tarde, a discussão foi sobre “Discurso de ódio, violência e extremismo político nas redes”. Esses assuntos ganham ainda mais força no momento em que o país discute novos instrumentos de regulação, como no debate recente do PL 2630/2020, apelidado de Lei das Fake News.
Uma das expositoras foi Lola Aronovich, pesquisadora na Universidade Federal do Ceará focada em literatura inglesa, cinema e questões de gênero, que se tornou mais conhecida como autora do blog chamado “Escreva, Lola. Escreva”, criado em 2008. Ela relatou diversos casos nos quais grupos de homens reunidos em fóruns disseminam mensagens de ódio e chegam até mesmo a articular ameaças de morte e incentivar outros crimes contra a vida, como chacinas em escolas. Lola notou que o engajamento nesses grupos – que ela chama de “grupos mascus” (de masculinos) – se dá entre crianças e jovens de cada vez menor idade.
Essa percepção foi compartilhada por outra painelista, a jornalista Dandara Lima, pesquisadora da UnB (Universidade de Brasília). Ela chamou a atenção para o fato de que os “grupos de ódio online são particularmente agressivos quando dirigidos contra as mulheres”. Essa situação piorou ao longo dos últimos quatro anos, que correspondem ao período de governo do agora ex-presidente Jair Bolsonaro. Dandara lembrou que, nesse tempo, o Brasil caiu no ranking de respeito à liberdade de imprensa, na mesma medida em que “cresceram os discursos de ódio voltados contra alvos estruturais da sociedade”.
Essa decaída nos indicativos foi detectada por pesquisadores como Clarice Tavares, da InternetLab, que relatou o trabalho feito no projeto “MonitorA – Observatório da Violência Política”. Desde a eleição de 2020, o InternetLab acompanha a violência política no ambiente digital. Nessa linha do tempo, Clarice disse que o Brasil hoje “vive um novo momento, em que não precisamos mais provar que as mulheres sofrem essas violências”, como era no início do MonitorA. Essa violência se tornou reconhecida hoje. O desafio consiste em garantir que a violência não siga tendo o mesmo peso preponderante na dinâmica política do país.
O seminário teve ainda a contribuição de Jader Gama, mocorongo de Santarém, no Pará, que falou dos temores das comunidades locais em participar, depender e entregar informações pessoais às grandes empresas de comunicação na internet, como as megacorporações (Zoom, Google e similares) que fornecem a tecnologia de reuniões virtuais que se tornou onipresente ao longo do período de educação remota que marcou a experiência escolar nas redes pública e privada durante a pandemia.
Testemunho semelhante foi feito pela Ialorixá e ativista Mãe Beth de Oxum, que realçou a ligação que deve haver entre o desenvolvimento tecnológico e os aspectos da subjetividade, da cultura e da produção orgânica das sociedades em que as pessoas vivem.
A pesquisadora paranaense Julia Abad chamou a atenção para o que ela chamou de uma “avalanche de problemas na tecnologia e na segurança pública”. Abad citou particularmente os programas que usam tecnologia de reconhecimento facial – uma tecnologia que, de acordo com ela, aparece com a promessa de resolver problemas, mas reitera desigualdades, ao identificar como criminosos, por exemplo, pessoas negras e fora sistema cisnormativo.
O encerramento da conversa foi feito pela deputada Carol Dartora (PT-PR), que acusou as big techs de “ganhar dinheiro com figuras políticas que hoje se colocam para destruir tudo o que nós construímos do lado do campo democrático”. Dartora criticou o papel que as grandes plataformas monopolistas da internet desempenham, tirando lucro da disseminação de notícias falsas e de mensagens de extremismo político.