Ao negar indenização a Sérgio Silva, Justiça paulista desresponsabiliza o Estado pela violência que cegou o fotojornalista 10 anos atrás; a ARTIGO 19 questiona decisão

Sérgio Silva é um fotojornalista que perdeu o olho esquerdo ao ser atingido no rosto por uma bala de borracha (munição de elastômero), disparada pela Polícia Militar de São Paulo (PM-SP), enquanto fazia a cobertura da intensa repressão policial à manifestação contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo, em 2013, durante as chamadas “Jornadas de Junho”. Sérgio vem buscando, sem sucesso, a responsabilização do Estado há 10 anos. Nessa quarta, 26 de abril, a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) ignorou um precedente firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e negou o direito de Sérgio a uma reparação integral. 

A partir do caso de Alex Silveira, em 10 de junho de 2021, o STF decidiu, por ampla maioria de votos (10 a 1), que o Estado deve ser responsabilizado em casos nos quais jornalistas são feridos por forças de segurança durante a cobertura de manifestações.

O também fotojornalista foi atingido por uma bala de borracha, disparada pela Polícia Militar de São Paulo em 2000, quando cobria a manifestação de professores, também na capital paulista. Alex processou o Estado em um caso que se arrastou por anos, até, finalmente, chegar a decisão favorável à responsabilização estatal e à indenização do profissional da imprensa. A ARTIGO 19 acompanhou o caso desde 2014, atuando como amicus curiae.  A decisão histórica proferida pela Suprema Corte no caso de Alex Silveira teve caráter de repercussão geral. Ou seja, trata-se de decisão que fixa o entendimento do STF naquele tema e orienta instâncias inferiores do Judiciário, como o TJ-SP, para julgamento de casos futuros que tenham similaridades ou aqueles que já estejam em andamento.

Com base nesse precedente, o TJ-SP deveria ter reconhecido a responsabilização do Estado e o direito à indenização no caso do fotojornalista Sérgio Silva. Em justificativa, os desembargadores afirmaram que não haveria provas de que Sérgio teria sido atingido por uma bala de borracha disparada por um agente do Estado. A afirmação ignora que essa é uma prática sistemática das forças repressivas estatais e que não há registro do uso desse tipo de munição em contexto de protestos por qualquer grupo ou agente não-estatal. Ao se recusar a reconhecer essa realidade fática amplamente conhecida, o TJ-SP se esquiva do precedente criado pelo caso Alex, impondo mais uma camada de violações de direitos ao jornalista Sérgio Silva. 

O uso de balas de borracha tem sido um grande inimigo do direito de protesto e da liberdade de expressão no Brasil e na América do Sul. O Chile é um exemplo disso: nos protestos que ocorreram em novembro de 2019, durante a repressão estatal, cerca de 360 pessoas foram atingidas nos olhos e 222 delas perderam a visão, o que obrigou a polícia a suspender o uso de balas de borracha durante os protestos. É urgente a abolição dessa munição na região, especialmente em contexto de protestos.

A ARTIGO 19 Brasil e América do Sul vê com muita preocupação a decisão judicial, visto que o Estado brasileiro tem o dever de garantir um ambiente seguro para a atuação de jornalistas, comunicadores e comunicadoras. A decisão do TJ-SP deve ser urgentemente revertida, sob o risco de que a liberdade de expressão permaneça em risco no País em um momento em que se comemora a derrota nas urnas da extrema direita, mas que é marcado por inúmeros desafios para o restabelecimento das instituições democráticas e dos espaços de participação política da sociedade brasileira. A garantia do direito de protesto e a proteção da liberdade de imprensa são pilares dessa reconstrução.

 

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Arte de capa da publicação: Daisy Serena (@daisy_aserena)

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