Era madrugada do dia 14 de março de 2018 quando recebemos uma das notícias mais dolorosas dos últimos anos: Marielle Franco, mulher negra, cria da favela da Maré, mãe, filha, irmã e tia, vereadora da cidade do Rio de Janeiro, havia sido assassinada, junto ao seu motorista, Anderson Gomes. De lá pra cá, o “Mês das Mulheres” passou a ser marcado pela lembrança de Marielle, de suas lutas por direitos e pela cobrança do Estado por respostas concretas ao caso.
São cinco anos sem respostas, sem responsabilização daqueles que planejaram e executaram o assassinato que marcou a história política do Brasil, introduzindo de forma latente nos debates o conceito de “violência política”, que nos provoca a pensar de que forma determinados corpos e vozes são atravessados por processos de violência para que não ocupem os espaços institucionais de representação e participação política e social. São também cinco anos em que assistimos graves retrocessos no que tange os direitos das mulheres, reprodutivos, sexuais, da população LGBTQIAPN+ e de pessoas negras e de povos tradicionais. São cinco anos em que as políticas de proteção a pessoas defensoras de direitos humanos, comunicadoras e ambientalistas foram simplesmente abandonadas.
Vivemos o aprofundamento das violências. As mulheres, especialmente, viveram esse aprofundamento como uma ferida aberta. Se negras, indígenas, quilombolas, LBTs, crias de favelas e periferias, moradoras de territórios afastados, com deficiência, então, essa ferida fica ainda mais exposta. Estas, ao defenderem direitos e ao levantarem suas vozes, se tornam alvo preferencial daqueles que tudo fizeram para suprimir direitos. Afinal, o Brasil figura nada menos que na terceira posição de países que, entre 2011 e 2021, tiveram um dos maiores declínios de indicadores de liberdade de expressão, ficando apenas atrás apenas de Hong Kong e Afeganistão – de acordo com nosso último Relatório Global de Expressão.
Neste 14 de março, destacamos a necessidade de que as respostas ao caso de Marielle não se restrinjam somente às investigações e ao processamento do caso – que são, sem dúvida, medidas indispensáveis no combate à impunidade daqueles que fazem uso da violência para silenciar mulheres. No entanto, é preciso fortalecer as políticas que pensem na segurança de mulheres (especialmente, defensoras de direitos e comunicadoras) de forma integral, entendendo as particularidades de gênero nestas posições e as especificidades e marcas que mulheres diferentes carregam, e seus impactos nas situações de risco. “Justiça para Marielle” deve englobar também, de forma imprescindível, a busca por medidas e pela implementação de políticas que não respondam aos casos de violência contra mulheres somente quando eles ocorrem, e que observem a prevenção à violência como questão de primeira ordem.
É urgente o investimento e a reconstrução da Política de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) nos níveis federal e estadual, e com a construção de uma efetiva Política Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas. Necessária, também, a reconstrução das políticas de combate à violência contra as mulheres, contra a comunidade LGBTQIAPN+, contra pessoas negras e contra pessoas de comunidades tradicionais.
A ARTIGO 19 se solidariza uma vez mais com as/os familiares e colegas de Marielle, além de reiterar sua missão em buscar a implementação de políticas de proteção para defensoras de direitos humanos e comunicadoras. O legado de Marielle segue vivo em cada punho erguido e cada voz levantada pela defesa de um Brasil mais igual e que tenha mulheres como absoluta prioridade.Não haverá liberdade de expressão enquanto formos interrompidas!