Passados mais de 10 anos do assassinato do radialista Valério Luiz de Oliveira, ao longo dos quais houve quatro adiamentos da sessão do Júri, foram condenados quatro dos cinco acusados pelo homicídio na noite de ontem, 9 de novembro.
Valério Luiz foi morto a tiros, em 5 de julho de 2012, aos 49 anos, ao sair da rádio em que trabalhava. O inquérito policial, assim como a denúncia feita pelo Ministério Público, em fevereiro de 2013, apontavam que a motivação da execução foram as críticas constantes de Valério ao time de futebol Atlético Clube Goianiense, do qual era torcedor. À época, o time tinha como vice-presidente Maurício Sampaio, que, reiteradamente, confirmou sua inimizade com o radialista em entrevistas e espaços públicos.
Os cinco acusados se tornaram réus em março de 2013, e a pronúncia ocorreu em agosto de 2014. Foram condenados: o açougueiro Marcos Vinícius Pereira Xavier, acusado de auxiliar no planejamento do homicídio (14 anos de reclusão); o cabo da Polícia Militar Ademá Figueiredo Aguiar Filho, autor dos disparos (16 anos de reclusão); Maurício Borges Sampaio, ex-cartorário e ex-presidente do Atlético Clube Goianiense, suposto mandante do assassinato (16 anos de reclusão); e Urbano de Carvalho Malta, que era funcionário de Maurício e responsável pela contratação de Ademá (14 anos de reclusão). Também era acusado o sargento reformado da Polícia Militar Djalma Gomes da Silva por envolvimento no planejamento do assassinato e na interferência nas investigações, mas ele foi absolvido pelo Conselho do Júri.
Além disso, é importante lembrar que houve diversas tentativas de obstruir o julgamento, adiado ao menos quatro vezes nesses últimos 10 anos. Em 2019, o então juiz responsável alegou que o Foro correspondente não teria estrutura para comportar o julgamento, devido à sua repercussão. Em 2020, a resolução do Conselho Nacional de Justiça de adiamento dos Júris durante a pandemia de Covid-19 alargou ainda mais o tempo de espera. Com a retomada das sessões do Júri, em 2 de maio de 2022, o julgamento foi adiado novamente, sob a alegação da defesa de Sampaio sobre a parcialidade do juiz que presidia o Júri, deixando a tribuna no momento da realização da sessão, o que inviabilizou sua continuidade. A defesa foi multada em 100 salários mínimos (aproximadamente, R$ 121 mil) pela manobra, e contestou a multa. A sessão foi remarcada para 13 de junho de 2022, quando a sessão chegou a ser instalada e as testemunhas passaram a ser ouvidas. No entanto, foi suspensa e adiada no dia seguinte, após um jurado passar mal e sair do hotel onde o Conselho de Sentença fica recluso ao longo do julgamento.
Em 2015, quando já fazia cinco anos do assassinato, o Brasil foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH/OEA) pela ARTIGO 19, organização que atua pela defesa e em promoção do direito à liberdade de expressão e acompanha o caso desde o início. Na oportunidade, o caso de Valério Luiz foi destacado, contando com o depoimento de seu filho sobre a ausência de responsabilização dos acusados.
As violações contra comunicadores representam também violações ao direito fundamental e humano à liberdade de expressão; e a impunidade, nesse sentido, aparece como instrumento de silenciamento. Segundo o relatório “O ciclo do silêncio: impunidade em homicídios de comunicadores”, elaborado pela ARTIGO 19, a impunidade nesses casos é quase sempre a regra, buscando eliminar fisicamente comunicadores que realizam críticas ou investigações incômodas aos detentores de poder e recursos financeiros. O relatório também aponta para a dificuldade de se responsabilizar os mandantes do crime – o que, na deliberação do Conselho de Sentença do caso de Valério Luiz, deve ser comemorado como uma vitória.
Valério Luiz de Oliveira Filho diz, após o julgamento, no qual também foi assistente da acusação: “Esperamos que o resultado desse caso contribua para o fechamento de um ciclo e para a virada de uma tendência de ataques contra comunicadores no Brasil. Que sirva de exemplo e paradigma para que outras pessoas, outras vítimas, busquem justiça pelos seus casos. Que os mandantes de crimes contra comunicadores sejam responsabilizados. Que as pessoas, através do que aconteceu com a gente, da nossa história, saibam que, por mais que a luta às vezes seja desigual, com persistência o suficiente, e se a comunidade local e a imprensa local abraçarem a causa e entenderem que ferir um comunicador é ferir a categoria como um todo, é possível sim vencer os obstáculos e conseguir a justiça”.
A Rede de Proteção para Jornalistas e Comunicadores (Rede de Proteção), da qual a ARTIGO 19 faz parte, comemora a decisão do Tribunal do Júri, bem como o fim da longa espera por respostas e responsabilização dos envolvidos na execução do radialista. Foram 10 anos de espera, luto e atenção para os familiares de Valério e para aqueles que defendem a liberdade de expressão e de imprensa. A resposta dada pelos jurados reforça: é inadmissível que a violência seja usada como ferramenta do silenciamento. Fazemos dos votos de Valério Filho os nossos, esperando que o resultado do caso sirva de exemplo para tantos outros em que se aguarda julgamento, bem como que coíba novas agressões graves contra comunicadores no País.
Esta nota também está disponível no site da Rede de Proteção.