No domingo (23.10.2022), o Brasil assistiu a mais um episódio da violência que tem marcado o processo eleitoral de 2022. Após o ex-deputado federal e apoiador do Presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro divulgar, em suas redes sociais, vídeo xingando de forma misógina a Ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, uma ordem de prisão foi expedida pelo Tribunal Superior Eleitoral. A revogação da prisão domiciliar (Petição 9.844/DF) que Jefferson cumpria, relativa ao “Inquérito das milícias digitais” (Inquérito 4.874/DF), foi justificada pelo descumprimento das condições impostas para o cumprimento da prisão domiciliar de Jefferson, que incluíam não fazer uso das redes sociais – especialmente, para a disseminação de informações e conteúdos que ameacem a democracia e as instituições brasileiras.
Ao tentar realizar a prisão, os policiais federais foram alvejados por tiros, e, mais tarde, tomou-se conhecimento de que Jefferson também teria granadas em sua residência. Durante o momento de agressividade, o cinegrafista Roberto de Paula, da InterTV Serramar, foi agredido por apoiadores de Jefferson e do chefe do executivo, convulsionou, e teve de ser levado com urgência ao hospital. Após oito horas e uma segunda ordem de prisão, também motivada pelos graves episódios de violência, Jefferson foi levado pela Polícia Federal.
Expressamos grande preocupação com o processo eleitoral e com a democracia brasileira após o ocorrido, que vem numa sequência de episódios marcantes de desinformação, violação dos direitos à liberdade de expressão e à participação social e política e, sobretudo, violência.
Podem ser vistas, aqui, diversas formas de violação aos direitos humanos, relacionadas ao período eleitoral. Se, por um lado, temos as ameaças às instituições e a seus membros que partem de apoiadores do Presidente – como é Roberto Jefferson -, de forma reiterada, descumprindo decisões judiciais; por outro, vemos a naturalização da violência física e potencialmente letal por parte destes que, sem ordem de comando explícita, se mobilizam para criar um cenário de medo, através de múltiplas agressões a múltiplos agentes, como foi a agressão ao cinegrafista, praticada por terceiro que manifestava apoio à Jefferson em frente a sua casa.
Não foi só no domingo que vivenciamos estes episódios que, infelizmente, têm se tornado pano de fundo do pleito eleitoral deste ano: destacamos os casos de Leandro Demori, jornalista que saiu do Brasil após reiteradas ameaças e teve seu voto inviabilizado pela fuga (1); da jornalista Vera Magalhães, que foi alvo de diversos ataques (2), bem como de outros jornalistas e comunicadores (3); a agressão contra candidatas e candidatos (4); e a agressão contra militantes, manifestantes e ativistas (5). As pesquisas mostram que o medo se tornou pano de fundo das eleições de 2022 no Brasil: 7 em cada 10 pessoas têm medo de sofrerem agressões por motivos políticos (6) e 9% afirmam não votar por medo da violência política (7).
Lembra-se também que o episódio remete a outras ações da Polícia Federal, que expressam a forma desigual em que diferentes sujeitos e grupos são tratados pelas forças policiais brasileiras. Um exemplo, amplamente resgatado nas redes sociais nos últimos dias, é a morte de Genivaldo de Jesus Santos, em 25 de maio de 2022, durante a abordagem de policiais federais em Umbaúba (SE). Na ocasião, sob o argumento de que teria “resistido à prisão”, efetuada por este estar dirigindo motocicleta sem capacete, Genivaldo foi morto por sufocamento. Após ter pés e mãos amarrados, foi colocado no porta-malas do carro da PRF, que tornou-se uma “câmara de gás” após os policiais manterem as saídas de ar do veículo fechado enquanto jogavam gás dentro dele. A diferença entre as abordagens nos mostra um país desigual, onde o cumprimento da lei e o uso da força pelo Estado tem medidas diferentes, a depender da cor e do território dos sujeitos.
A ARTIGO 19 se coloca à disposição daqueles e daquelas atingidos pelos muitos episódios de violência política e eleitoral do último período. Repudiamos toda e qualquer manifestação ou ato violentos que visem descredibilizar o processo eleitoral e as urnas eletrônicas, coagir pessoas a votarem em determinado candidato ou deixarem de votar, impedir a cobertura jornalística sobre as eleições ou a expressão de opinião política, impedir o acesso dos eleitores às urnas no dia 30.10.2022, e que, de modo geral, contribuam para a consolidação do cenário de medo e violência.
Liberdade e medo não combinam! Vote pela expressão livre, defenda a democracia, e o fim da violência!
(Crédito imagem: Reprodução/Redes sociais)
REFERÊNCIAS
1. Leandro Demori deixa o Brasil por medo de violência. Disponível em: https://www.portaldosjornalistas.com.br/leandro-demori-deixa-o-brasil-por-medo-de-violencia/
2. Novo ataque a Vera Magalhães é resultado da onda bolsonarista de intimidação ao jornalismo. Disponível em: https://artigo19.org/2022/09/16/novo-ataque-a-vera-magalhaes-e-resultado-da-onda-bolsonarista-de-intimidacao-ao-jornalismo/
3. São alguns exemplos: Jornalistas são expulsos de ato evangélico com Bolsonaro no Rio de Janeiro, disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/jornalistas-sao-expulsos-de-ato-evangelico-com-bolsonaro-no-rio,77f5d772e6b55f00676c1fa04811b80exse9zpkp.html; Bolsonaristas hostilizam funcionários da TV Aparecida e fazem arruaça na porta de Santuário, disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/10/12/bolsonaristas-hostilizam-funcionarios-da-tv-aparecida-e-fazem-arruaca-na-porta-de-santuario
4. São alguns exemplos: Boulos é ameaçado com arma durante panfletagem, disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2022/09/boulos-e-ameacado-com-arma-durante-panfletagem.shtml?utm_source=sharenativo&utm_medium=social&utm_campaign=sharenativo
5. São alguns exemplos: Bolsonarista bate carro de propósito contra apoiadora de Lula, perde o controle e morre em acidente, disponível em: https://jornalggn.com.br/politica/apoiadora-de-lula-sofre-atentado-por-bolsonarista/; CE: Homem invade bar, pergunta quem vota no Lula e esfaqueia e mata eleitor, disponível em: https://www.opovo.com.br/noticias/ceara/cascavel/2022/09/26/homem-invade-bar-pergunta-quem-vota-em-lula-e-esfaqueia-e-mata-eleitor.html
6. Datafolha: 7 em cada 10 pessoas dizem temer agressões por razão política. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/09/15/pesquisa-datafolha-medo-violencia-politica-no-brasil.htm?cmpid=copiaecola
7. Datafolha: 9% admitem deixar de votar por medo de violência política. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/09/datafolha-9-admitem-deixar-de-votar-por-medo-de-violencia-politica.shtml