O que a quebra do anonimato de @jairmearrependi tem a ver com liberdade de expressão?

A ARTIGO 19 vê com preocupação a decisão do TSE da última sexta-feira, dia 23 de setembro, que determinou ao Twitter Brasil que forneça os dados para a identificação da pessoa responsável pelo perfil @jairmearrependi. O caso teve origem em uma representação eleitoral movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) contra o responsável pelo perfil @jairmearrependi no Twitter, em razão da utilização de um filtro temático com a frase “Prefiro Lula”, com características semelhantes ao slogan de campanha utilizada pelo candidato Ciro Gomes (PDT). Além da quebra do anonimato, a decisão da ministra Maria Claudia Bucchianeri, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que o filtro fosse retirado do ar. Diante da decisão, o Twitter apresentou embargos de declaração e os dados ainda não foram revelados.

Nesse contexto, a ARTIGO 19 esclarece que o anonimato é um elemento central para a proteção da liberdade de expressão e do direito à privacidade (1). Especialmente em determinados contextos, como na proteção de fontes jornalísticas e também no discurso político, o anonimato é uma ferramenta fundamental para proteger o exercício dos direitos humanos. A Relatoria Especial para Liberdade de Expressão da ONU já se manifestou no sentido de reconhecer o direito ao anonimato como um aspecto importante do direito à liberdade de expressão e à privacidade na era digital (2). Do mesmo modo, a Declaração Conjunta da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA) de 2019 recomenda que Estados devem “Abster-se de realizar restrições arbitrárias ou ilegais ao uso das tecnologias de encriptação e anonimato” (3) como forma de manter um ambiente online saudável para a liberdade de expressão. Para a ARTIGO 19, a decisão do TSE desrespeita parâmetros internacionais de proteção aos direitos humanos ao determinar a identificação do perfil @jairmearrependi sem analisar especificamente os três critérios para que uma restrição à liberdade de expressão possa ser considerada legítima: ser baseada em lei, ter uma finalidade legítima e ser adequada, necessária e proporcional.

É fato que existe previsão normativa para o fornecimento de dados para identificação de usuários na legislação brasileira. No entanto, essa mesma base normativa estabelece critérios que não foram cumpridos pela decisão do TSE. De acordo com o artigo 40 da Resolução 23.610/2019, alterada pela Resolução 23.671/2021, a requisição judicial de registros de IP na esfera eleitoral deve conter fundamentação específica em relação a cada um dos seguintes requisitos (i) a existência de fundados indícios da ocorrência do ilícito de natureza eleitoral; (ii) a justificativa sobre a utilidade dos dados para instrução probatória, e o (iii) esclarecimento quanto ao período ao qual se referem os registros. Sobre esses requisitos, deve-se destacar que em nenhum momento da decisão, o TSE apresentou qualquer argumento quanto à utilidade da identificação do usuário. Ainda que seja bastante questionável se o filtro em questão poderia ser caracterizado como uma fonte de desinformação “visual” apta a induzir eleitores a erro, é certo que a remoção do filtro independe da revelação da identidade do perfil.

Além de não existir necessidade na divulgação dos dados do perfil, deve-se destacar que ela não é proporcional. O perfil @jairmearrependi é um perfil que manifesta opiniões, crítica humorística e tem no anonimato uma forma de garantia de seu discurso político contra perseguições. Revelar a identidade de @jairmearrependi sem qualquer necessidade, pode expor a pessoa responsável pela conta a retaliações, colocando em risco sua integridade pessoal, além de causar efeito intimidador sobre outras pessoas que, a partir do anonimato, fazem críticas políticas. Foi o que ocorreu com os responsáveis pelo perfil Sleeping Giants, que fazia campanhas de desmonetização de conteúdos negacionistas ou de natureza autoritária, e cujas famílias passaram a receber ameaças assim que foram expostos a partir de uma decisão judicial em 2020 (4) .

Assim, a ARTIGO 19 considera que a decisão do TSE quebrando o anonimato do perfil @jairmearrependi restringe de forma desproporcional a liberdade de expressão e compromete o debate democrático.

Assinam esta nota:

Sleeping Giants Brasil (@slpng_giants_pt)
Upa (@upalaiao)
Desmentindo Bolsonaro (@desmentindobozo)
Camarote da República (@camarotedacpi)
Luiz PATRIOTA (@luizpatriota39)
Tesoureiro (@tesoureiros)
Ady Ferrer (ady_news)
Antonio Celso Filho (@celso45)
Fernando Motta (@desenhosdonando)
Paula Villar (@artevillar1)
Rodrigo Castro (@rockerz)
Blog Farofeiros (@blogfarofeiros)
Farofeiros Cast (@farofeiroscast)
MIDCast Política (@podcastmid)
Jeje Cricri (@jeje_cricri)
Leila Germano (@LeilaGermano)
Letícia Sarturi (@LeSarturiP)
Maria Jose de Sena(@mariajosedesena)
Museus da Direita Histérica (@da_museu)
Jeff Nascimento (@jnascim)
Bolsominions Arrependidos (@bolsoregrets)
Carapanã (@carapanarana)
João Filho (@jornalismowando)
Antipedagógico (@antipedagogico)
Ananias Oliveira (@ananias_1979)
Paola Costa (@paoladcs)
Tons de mim (@tonsdemim)

 

REFERÊNCIAS

(1) https://artigo19.org/2015/06/01/criptografia-e-anonimato-sao-essenciais-para-liberdade-de-expressao/

(2) Relatório sobre criptografia, anonimato e a estrutura dos direitos humanos da Relatoria Especial para a liberdade de expressão, A/HRC/29/32, 22 de maio de 2015. 

(3) Declaração Conjunta do Vigésimo Aniversário: Desafios para a liberdade de expressão para a próxima década. Organização dos Estados Americanos, 2019. disponível em: https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/showarticle.asp?artID=1146&lID=4 

(4) https://www.brasildefato.com.br/2022/09/24/tse-determina-identificacao-de-responsavel-por-perfil-anonimo-de-critica-politica

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