Ativistas e repórteres ambientais estão na linha da frente – e temos de protegê-los

Denise Dora, diretora executiva da ARTIGO Brasil e América do Sul

Como defensores/as dos direitos humanos e da liberdade de expressão, refletimos frequentemente que uma notícia trágica é um lembrete da situação terrível para tantas pessoas no mundo de hoje. A história leva-nos a considerar novamente quanto mais é preciso fazer para proteger o direito de expressão de todos e todas, para ter acesso à informação e para poder colocar esses direitos ao serviço do povo.

O desaparecimento do jornalista e escritor Dom Phillips e do perito indígena Bruno Pereira é uma dessas histórias. A dupla tinha viajado para a área remota do estado do Vale do Javari Amazonas para relatar e investigar uma parte do mundo onde se encontram as comunidades indígenas mais “desconhecidas” e entrevistar as pessoas que vivem na linha da frente da degradação e destruição ambiental. A viagem para Atalaia do Norte, em 5 de junho, deveria ter demorado aproximadamente duas horas, mas nunca chegaram ao seu destino. Tinham alegadamente recebido ameaças antes do seu desaparecimento.

Estas ameaças não são raras. Os/as ativistas ambientais no Brasil têm dito aos governos, meios de comunicação e grupos, incluindo a ARTIGO 19, que enfrentam ameaças crescentes aos seus direitos – e às suas vidas. Em 2021, um terço dos assassinatos de defensores/as dos direitos humanos eram pessoas que tentavam proteger o ambiente, a terra e as vidas e perspectivas das pessoas que vivem nestes lugares.

A maior floresta tropical remanescente do mundo está localizada nas Américas, ostentando enormes recursos naturais e mais de 60% da biodiversidade do mundo. E no entanto, entre os/as líderes nesta parte do mundo, os/as defensores/as do clima estão em escassez. No Brasil, a taxa de crescimento da exploração madeireira e mineira ilegal é espantosa. Em 2021, a desflorestação da Amazônia atingiu a sua taxa mais elevada desde 2006. E, com a expansão tanto de projetos de extração de combustíveis fósseis em grande escala como de energias renováveis, os níveis de corrupção deverão aumentar, juntamente com medidas duras apoiadas pelo governo para responder aos/às ativistas.

O Acordo de Escazú, o primeiro tratado ambiental da América Latina e Caribe e o primeiro a incluir disposições específicas sobre defensores/as dos direitos humanos ambientais, entrou em vigor em abril de 2021, trazendo esperanças de mudança. Mas os dois países mais perigosos para os/as defensores/as do ambiente, Brasil e Colômbia, que são ambos signatários, ainda não ratificaram o acordo.

Muitos dos que apelam ao governo para que faça mais para proteger o ambiente e as comunidades indígenas que vivem nestas áreas apelaram também a uma ação imediata para encontrar Phillips e Pereira – inclusive exortando a administração americana Biden a levantar a questão na Cúpula das Américas. E também têm sido repetidamente visados por eles próprios. Incluem a líder indígena Sônia Guajajara, que foi atingida com processos judiciais por difamação do Presidente Jair Bolsonaro, depois de ter falado sobre violações contra os povos indígenas sob o pretexto de fazer cumprir as restrições da COVID.

A hostilidade de Bolsonoro para com jornalistas e ativistas está bem documentada, e a sua investida contra qualquer pessoa que tente escrutiná-lo ou criticá-lo tem sido feroz. Juntando-se a muitos outros líderes autoritários em todo o mundo, tem confiado na desinformação para promover a sua marca, ao mesmo tempo que acusa outros de espalharem notícias falsas. Por isso, não é surpresa que tenha sido desdenhoso sobre o que aconteceu em 5 de junho, sugerindo em 7 de junho que os dois homens sabiam os perigos que enfrentavam e que tinham prosseguido “uma aventura que não é recomendada”, acrescentando: “Qualquer coisa pode acontecer. Pode ser um acidente, pode ser que eles tenham sido executados”.

Ações na cena internacional

O governo brasileiro precisa ser responsabilizado pela manutenção da segurança e da vida daqueles/as que lutam pelos direitos humanos no Brasil. Em conjunto com outras organizações brasileiras de direitos humanos e de defesa da liberdade de expressão, a ARTIGO 19 apelou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no dia 10 de junho, pedindo-lhe que ajudasse a persuadir as autoridades brasileiras a conduzir uma investigação imediata e exaustiva sobre o que havia acontecido a Pereira e Phillips, e informando a gravidade e urgência do caso. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos divulgou uma medida de precaução urgente no sábado, 11 de junho, solicitando ao governo brasileiro que agisse rapidamente e com responsabilidade para investigar o desaparecimento. Também apelaram a cinco Relatores Especiais das Nações Unidas com mandatos relevantes e lançaram um apelo urgente para solicitar uma investigação e exigir ação imediata por parte das autoridades brasileiras.

Organizações internacionais e meios de comunicação, incluindo a ARTIGO 19, escreveram uma carta aberta a Bolsonaro, pedindo-lhe que “intensifique urgentemente e desenvolva plenamente o esforço” para encontrar os homens desaparecidos.

Isto coincidiu com campanhas no Twitter em várias línguas e atenção generalizada dos meios de comunicação – embora as audiências tenham entrado em contato com os detalhes chocantes do que aconteceu aos ativistas ambientais nas Américas pela primeira vez, foi apenas porque este nível de atenção é raro (e não que sejam incomuns histórias terríveis de pessoas monitoradas, intimidadas, criminalizadas e acusadas, desaparecidas, agredidas fisicamente e até assassinadas).

O tom desdenhoso de Bolsonaro, mesmo diante do desdobramento e detalhes que sugerem que foram cometidos crimes graves contra os homens desaparecidos, é essencialmente uma admissão de que ele não tem qualquer intenção de tomar medidas sobre o assunto. É deixado às comunidades indígenas, aos grupos de direitos humanos e à imprensa a mobilização de ações. Não é dessa forma que se fará justiça pelas violações dos direitos humanos, ou que se ponha fim aos danos ambientais.

Cometemos um erro grave se pensarmos que Bolsonaro está sozinho, ou que as táticas que emprega são únicas no Brasil. Sinais de alerta têm tocado em advertência do impacto ao meio ambiente  e de como são tratados/as aqueles/as que denunciam e fazem campanha contra a sua degradação. Na sua maioria, temos ignorado o som desses avisos.

Como salienta o Smoke Signal Monitor, um grupo que documenta a conjuntura entre a agitação social e a crise ambiental no Brasil, estes são os resultados da política. Assim como a decisão de restringir os direitos.

Nós, como comunidades globais e locais, devemos fazer mais para garantir a condução de políticas, e ajudar a reforçar um ambiente que proteja os nossos direitos – para falar, partilhar informação, impulsionar a mudança através de campanhas, defesa, educação, e por meio da eleição de líderes fortes que possam facilitar estes objetivos. Temos de responsabilizar os responsáveis, e continuar a exercer pressão sobre os governos de todo o mundo que se recusam a honrar estes direitos, que, afinal, são os direitos de todos.

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