Na próxima segunda-feira, dia 2 de maio, o Plenário do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) será palco do júri popular que decidirá sobre o futuro dos réus acusados pelo assassinato do radialista Valério Luiz, morto em 5 de julho de 2012, com cinco tiros, ao sair da rádio em que trabalhava. Radialista e jornalista esportivo, Valério era conhecido por seus comentários críticos e diretos.
Segundo o inquérito policial, a sua atuação como jornalista foi o que motivou o crime, que envolveu cinco pessoas, entre elas, o cabo da Polícia Militar Ademar Figueiredo Aguiar Filho, o sargento reformado da Polícia Militar Djalma Gomes da Silva, Urbano de Carvalho Malta, Marcos Vinícius Pereira Xavier e Maurício Borges Sampaio (ex-cartorário e ex-presidente do Atlético Clube Goianiense, clube do qual Valério era torcedor e principal alvo de seus comentários na rádio em que trabalhava).
Conforme aponta o filho do radialista e assistente da acusação, Valério Luiz Filho, o atrito entre o comunicador e o vice-presidente do time vinha de longa data. A relação entre a cobertura jornalística esportiva e a atuação do suposto mandante não é ocasional, e explicita a conexão entre o assassinato e o exercício da liberdade de expressão – onde o primeiro opera como meio de inviabilizar o segundo.
Durante estes nove anos em que o crime restou sem resolução, Sampaio buscou meios de atrasar o julgamento e de impedir que o caso de homicídio fosse levado a Júri Popular – tentativa que felizmente não prosperou. Ainda assim, o Júri foi adiado por diversas vezes sob diferentes justificativas – a exemplo do adiamento, em 2019, a partir da alegação do juiz responsável de que não haveria estrutura para comportar julgamento de tamanha repercussão no Foro correspondente. Desde 2020, a pandemia de COVID-19 veio protelando ainda mais a realização do julgamento, uma vez tendo sido determinado o adiamento de Júris pelo Conselho Nacional de Justiça.
O agendamento do Júri para março de 2022 havia sido uma vitória frente às inúmeras tentativas de protelar sua realização na última década. No entanto, mais uma vez, houve adiamento. A sessão de Júri Popular estava marcada para o dia 14 de março, uma segunda-feira. Na sexta-feira anterior (11/03), contudo, o advogado de Maurício Sampaio protocolou sua desistência do processo, de modo que Sampaio, acusado de ser o mandante do crime, compareceu ao Tribunal, no dia 14, sem nenhum advogado constituído. Em razão dessa manobra, o julgamento precisou ser adiado, para que o réu constituísse novo defensor.
Novamente, o juri foi remarcado para o próximo dia 02 de maio, mas a defesa já protocolou ações no Conselho Nacional de Justiça e no Conselho Nacional do Ministério Público alegando parcialidade do juiz e dos promotores na tentativa de conseguir um novo adiamento. Dessa forma, é fundamental que haja atenção no acompanhamento dos próximos passos da realização do Júri, bem como pressão para que haja responsabilização dos envolvidos e do mandante do homicídio. As violações contra comunicadores representam também violações ao direito fundamental e humano à liberdade de expressão e a impunidade, nesse sentido, figura como meio de silenciamento, marcando a categoria pelo medo e pela insegurança a partir da falta de respaldo das autoridades. A impunidade tem proporções e impactos tão severos no Brasil que, em 2015, o país foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH/OEA) pela ARTIGO 19 – oportunidade em que o caso de Valério Luiz foi destacado, contando com o depoimento de seu filho sobre a ausência de responsabilização dos acusados.
Denise Dora, diretora-executiva da ARTIGO 19, organização que atua pela defesa e promoção do direito à liberdade de expressão e que acompanha o caso desde o início, espera que o julgamento contribua para o avanço na busca por justiça. “Temos vivenciado, nos últimos anos, um aumento expressivo das violações contra jornalistas e comunicadores no Brasil. Uma absolvição neste caso, na semana em que temos o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, seria reforçar ainda mais o cenário de impunidade nos crimes contra comunicadores no país e evidenciaria a insegurança vivida pelos profissionais da comunicação”, explica.
Segundo relatório da ARTIGO19 “O ciclo do silêncio: impunidade em homicídios de comunicadores”, a impunidade nesses casos é quase sempre a regra, buscando eliminar fisicamente pessoas consideradas inconvenientes pela ação investigativa que realizam ou pelas críticas que desestabilizam relações locais de poder. Geralmente, quem comete o crime contra a vida de um comunicador no Brasil dificilmente é responsabilizado judicialmente e, quase sempre que isso ocorre, apenas os pistoleiros são punidos, não os mandantes.
Dados do Relatório Global de Expressão, relatório anual da ARTIGO 19 apontam que, apenas em 2020, as violações contra jornalistas e comunicadores somaram 254 casos. No mesmo ano, o País registrou a menor pontuação brasileira no indicador de liberdade de expressão, desde a primeira medição em 2010. Na América Latina, apenas no primeiro mês do ano, 3 jornalistas foram assassinados no México.