Relator da ONU alerta para redução do espaço cívico e de participação após visita ao Brasil

O relator ouviu ativistas, sindicatos, comunidades e organizações, durante 12 dias no país, e apontou desafios e recomendações para o Brasil

A dissolução da participação social e desmonte do espaço cívico, a preocupação com a violência política, em especial no contexto eleitoral, estiveram entre os pontos destacados por Clément Voule (Relator Especial das Nações Unidas sobre os direitos à reunião pacífica e liberdade de associação), em coletiva de imprensa concedida na última sexta-feira (08), após os 12 dias de sua visita ao Brasil. O especialista conversou com movimentos sociais, ativistas e organizações em Brasília, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. As impressões do relator serão apresentadas em um relatório abrangente ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, incluindo suas conclusões e recomendações, em junho de 2023.

O relator apontou desafios que podem dificultar o pleno gozo dos direitos à liberdade de reunião pacífica e de associação e demonstrou preocupação com o contexto eleitoral. “A visita ocorre em um momento importante e delicado, precedendo as eleições gerais que devem ocorrer em outubro de 2022. “Preocupa-me o ambiente polarizado que poderia desencorajar os cidadãos de votar nas próximas eleições”, afirmou.

Ainda em relação às eleições, ele citou que é obrigação do estado garantir que a sociedade tenha confiança no sistema eleitoral e que é preciso resguardar o direito de reunião e associação pacífica – pois é nesse momento que partidos vão se reunir com seus apoiadores. Também sublinhou a importância do combate à desinformação, para que, dentre outras razões, sejam evitadas a desqualificação e deslegitimação de candidatos, especialmente periféricos, mulheres e afrodescendentes.

Voule enfatizou a diminuição do espaço cívico e o desmantelamento de espaços de participação da sociedade civil nas políticas públicas. Em suas considerações, trouxe que, desde 2019, pelo menos 650 conselhos, comitês e outros mecanismos participativos foram fechados. “Esses conselhos são importantes espaços de garantia de diálogo entre o governo, a sociedade civil e as comunidades, sobre desafios de direitos humanos, segurança alimentar, direito à terra, meio ambiente, cultura, acesso à educação, direitos dos indígenas e outras comunidades tradicionais, LGBTQI+, mulheres, pessoas com deficiência, entre outros”, pontuou o relator, reafirmando a importância de restabelecimento desses mecanismos.

Para Denise Dora, diretora executiva da ARTIGO 19, as considerações de Voule demonstram a grave situação em que o Brasil está inserido. “Ele ouviu muitas vezes a pergunta de quem mandou matar Marielle. Essa ideia de que há organizações criminosas que podem assassinar parlamentares de uma forma praticamente impune, sem que se descubra quem são os mandantes, quem pagou pelo crime, cria uma sombra de receio e ameaça sobre a manifestação de todo mundo. As pessoas que são parlamentares e também recebem ameaças, as pessoas que querem exercer livremente o direito de se candidatar e serem representantes de populações marginalizadas estão vivendo ainda sob a sombra de quem mandou matar Marielle. Ele destaca no relatório e compreende que não foi um crime isolado e que ameaça todo um conjunto de manifestações e participação cidadã nos processos eleitorais e de participação social”, declara Denise, referindo-se à vereadora Marielle Franco, assassinada há quatro anos.

A diretora executiva assinalou também que o representante da ONU conversou com comunicadores e pode constatar as ameaças e ataque que os profissionais vêm sofrendo, cerceando a liberdade de imprensa. “O relator pontua que o país caminha para uma autocracia sem participação e sem direito à manifestação, com pouca liberdade de associação e sem uma imprensa livre que possa cobrir todos esses eventos de destruição cívica do país”, alerta.

Contexto – A visita do relator surgiu após uma provocação de organizações sociais, em 2019, em função de projetos de lei que poderiam criminalizar a participação social e enquadrar os movimentos como terroristas. O apelo foi reforçado em 2021 e a relatoria chegou com uma agenda forte de observar a participação social e discriminação, além de violações de direitos humanos e liberdades fundamentais no país. “O relatório preliminar é muito importante para nós porque poderá trazer respostas de curto prazo, para o contexto que vivemos agora. Para o de junho de 2023, vamos enviar mais informações e, por meio do documento final poderemos tanto identificar retrocessos, quanto analisar uma agenda de reconstrução dos pilares democráticos de participação social e do espaço cívico”, avalia Raísa Cetro, coordenadora do Programa de Espaço Cívico da ARTIGO 19.

 

 

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