Em decisão do dia 17 de março de 2022, o ministro Alexandre de Moraes determinou “a suspensão completa e integral do funcionamento do telegram no Brasil”.
O telegram é um aplicativo que oferece serviços digitais online e seu uso mais popular é a mensageria privada, grupos de bate papos e canais de transmissão. O aplicativo é usado por mais de 500 milhões de pessoas no mundo e está presente em 45% dos celulares brasileiros.
A justificativa do Ministro é o não cumprimento, por parte da empresa, de decisões judiciais proferidas contra as contas de telegram de Allan dos Santos, jornalista de extrema direita, polemista e fugitivo da justiça brasileira. Diversas determinações judiciais relacionadas a bloqueios de perfis, suspensão de monetização, e remoção de publicações em grupos de bate papos contra contas vinculadas ao jornalista não teriam sido cumpridas.
A ARTIGO 19, organização de defesa da liberdade de expressão entende que esta decisão não é eficaz e responsável, por parte do Estado brasileiro, para combater a desinformação e remediar o dano causado por Allan dos Santos ou pelo telegram.
A suspensão do serviço afeta desproporcionalmente milhões de usuários que exercem legitimamente seu direito à liberdade de expressão e acesso à informação pela plataforma. O combate à desinformação, e às ameaças à democracia deve respeitar os direitos fundamentais de milhões de pessoas que tem em serviços da Internet sua fonte de informação ou como apoio para sua interação social, de trabalho, política e cultural.
A justiça brasileira, e em especial o Supremo Tribunal Federal, deve intensificar e concluir as investigações contra grupos que atentam contra a democracia e o Estado democrático de direito. A responsabilização econômica, política, civil e criminal deve ser aplicada observados os parâmetros legais, mas de modo a não violar direitos de terceiros, individuais e coletivos.
Expressamos nossa preocupação com as consequências desta decisão judicial para a liberdade de expressão e acreditamos que a suspensão dos serviços da plataforma telegram pode violar liberdades e direitos humanos de comunidades inteiras. O bloqueio de aplicativos ou websites é uma medida extrema, análoga ao banimento de jornais ou televisões.
Esta decisão pode abrir também o precedente para decisões judiciais similares que afetem outros serviços de comunicação – que podem não cumprir com o teste tripartite, o qual determina quando a restrição da liberdade de expressão é legítima para assegurar outros direitos ou evitar graves violações:
1. A decisão tem que ser baseada em lei. O Marco Civil da Internet e as leis sobre o tema no Brasil não preveem suspensão de serviços de plataformas de Internet, sendo que a responsabilização civil, apontada no artigo 19 do Marco Civil da Internet, não é similar ou proporcional à suspensão de um serviço ou de uma plataforma.
2. A decisão precisa ser em busca de uma finalidade legitima, sendo que o funcionamento em si da plataforma não parece oferecer grave ameaça à ordem pública ou à segurança nacional. Se a justiça entende que o jornalista Allan dos Santos oferece este tipo de ameaça, é a pessoa física que deve ser acusada, julgada e responsabilizada.
3. A restrição à liberdade de expressão tem que ser necessária e proporcional ao objetivo que se quer atingir. Novamente, o impedimento da comunicação de milhões de pessoas por um aplicativo e a violação a sua liberdade de expressão é desproporcional e desnecessária quando em face do objetivo apresentado na decisão.
Estas recomendações baseadas no direito internacional dos direitos humanos determinam parâmetros para a garantia da liberdade de expressão e apontam que Estados não devem impor sanções desproporcionais em intermediários.
As plataformas de redes sociais, intermediárias tecnológicas da comunicação digital de milhões de pessoas, precisam ser responsáveis, transparentes e cooperar com os esforços do governos e da sociedade para a melhoria do ambiente da comunicação online.
Seu modelo de negócios, sua economia baseada na exploração de dados, sua estrutura monopolista, seu poder político e tecnológico necessitam ser pensados e criticados sob a ótica dos efeitos que causam na sociedade e nos indivíduos.
Neste sentido, empresas de tecnologia devem obedecer a padrões de direitos humanos, transparência e legislações locais. No entanto, medidas extremas do Estado no sentido da restrição de liberdades individuais e coletivas também não contribuem para um diálogo aberto e políticas positivas no sentido de uma sociedade mais livre, participativa, democrática, justa e orientada pelo Estado de direito.
Posicionamento das A19 internacional
Referências
UN Special Rapporteur on Freedom of Expression(A/HRC/17/27)
Human Rights Committee’s General Comment 34, on Freedoms of Opinion and Expression (CCPR/C/GC/34)
Human Rights Council resolution (A/HRC/RES/32/13)