Reintegração de posse põe em risco 450 famílias do acampamento Marielle Vive

A ARTIGO19, associação da sociedade civil de defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão, associação e acesso à informação, manifesta extrema preocupação com a decisão da 37ª Turma de Direito Privado do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, que autoriza o despejo das 450 famílias do acampamento Marielle Vive, na zona rural da cidade de Valinhos. O acesso à terra é um direito humano! A incerteza da garantia desse direito atinge outros como o direito à associação, informação, liberdade de expressão, segurança alimentar, entre outros.

Na última terça feira, 23 de novembro, o TJSP manteve a reintegração de posse em favor da Fazenda Eldorado Empreendimentos Imobiliários, dona do terreno de 130 hectares que se encontrava abandonado. Mesmo localizada em uma região de alta valorização dos terrenos, a área estava improdutiva por muitos anos, portanto não cumpria sua função social determinada pela Constituição Federal, e ainda caracteriza indícios da prática de especulação imobiliária.

Em 2018, o terreno abandonado foi ocupado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que passou a revitalizar, produzir, comercializar e doar alimentos agroecológicos a partir de seu trabalho. Em 2019, a ARTIGO 19 realizou no acampamento atividades de formação em tecnologias digitais, instalando um piloto de rede de comunicação interna para usufruto coletivo e ministrando oficinas sobre direito à comunicação.

Além de ética e moralmente questionável, a decisão de despejar 450 famílias é uma afronta ao princípio apontado pela lei 14.216 de 2021, que, em razão da emergência em saúde pública provocada pela pandemia, veta o “cumprimento de medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em desocupação ou remoção forçada coletiva em imóvel privado ou público”. Embora a lei se refira a imóveis urbanos com contrato de locação, a aplicação da boa justiça estenderia esse entendimento para situações ainda mais graves, que, como neste caso, envolvem centenas de famílias com comprovada dificuldade financeira e carentes do direito constitucional à moradia e à vida digna.

O Brasil vem, nos últimos anos, impondo dificuldades ao exercício de direitos básicos, cerceando práticas de cidadania e fomentando um clima de guerra e ódio contra a população pobre, negra e marginalizada. Com ações e decisões judiciais deste tipo, o poder judiciário e o Estado brasileiro demonstram sua insensibilidade perante os riscos atuais que se apresentam a estas populações e dá sinais de que o poder econômico, político e imobiliário se sobrepõe aos direitos fundamentais, garantidos universalmente para cidadãs e cidadãos brasileiros.

A ARTIGO19 reforça sua posição em favor dos direitos humanos, da cidadania e da garantia do acesso à terra e demais meios para condição de uma vida digna, além de celebrar a vitalidade dos movimentos sociais, tão necessários ao estado democrático de direito.

Assim, instamos o Exmo. Desembargador José Tarciso Beraldo, relator do processo, a Exma. Juíza Bianca Vasconcelos e a Exma Prefeita de Valinhos Capitã Lucimara a se atentarem para as graves consequências da ação de reintegração de posse para os direitos humanos, para a liberdade de associação e direitos fundamentais das famílias do acampamento Marielle Vive. A insensibilidade e desproporção da decisão, em plena véspera do Natal, afeta os direitos de homens, mulheres e crianças e os coloca em situação de vulnerabilidade, enquanto protege a manutenção ilegal de uma área que não cumpre com sua função social e serve mais à interesses especulativos e econômicos do que à vida e à dignidade.

 

Foto: MST

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