A ARTIGO 19 vem a público repudiar o processo judicial movido contra a Repórter Brasil, referente à publicação da matéria “Compro tudo: ouro Yanomami é vendido livremente na rua do Ouro, em Boa Vista”, bem como a decisão liminar que determinou a retirada do ar de trechos da reportagem. Esta última, proferida pelo juiz Air Marin Junior, do 2º Juizado Cível de Boa Vista (RR), fere os direitos à liberdade de expressão e de imprensa, e se configura como meio de censurar comunicadores quando da realização de denúncias graves de temas de interesse público.
O conteúdo, produzido em parceiria entre a Repórter Brasil e a agência de notícias Amazônia Real foi publicado em 24 de junho, e denunciava a compra ilegal de ouro proveniente da Terra Indígena Yanomami, nas joalherias da rua do Ouro (Boa Vista – RR). A reportagem, que narrava a tentativa da venda do produto do garimpo ilegal pela autora da ação cível, faz parte de um conjunto de conteúdos que visibilizam a condição da extração criminosa de minério na região, bem como seus impactos para a população indígena. Tão importante a denúncia que, após a publicação, o Ministério Público abriu investigação buscando entender a relação da personagem da matéria e o garimpo ilegal na região.
A decisão, de caráter liminar, não transitou em julgado, e também não permitiu o contraditório, uma vez que não houve audiência para que o veículo se manifestasse. Além de ordenar a retirada do ar de trechos da matéria em 48h, também determinou multa de cinco salários mínimos para o descumprimento.
A censura judicial vem na esteira de uma sequência de violações à liberdade de expressão do veículo. Nas primeiras semanas de 2021, a Repórter Brasil foi vítima de uma série de ataques virtuais: seu site foi derrubado no dia 06 de janeiro, após contínuos ataques ao endereço, visando sua sobrecarga. O ataque online foi seguido de ameaça, enviada por e-mail anônimo: os invasores informaram que seguiriam alvejando o sistema do veículo caso as matérias dos anos de 2003, 2004 e 2005 não fossem apagadas. Na sequência (07.01), o veículo também foi vítima de ameaça física a sua sede, por meio de tentativa de invasão do local, o que foi impedido pelos vizinhos. Os agressores mantiveram a intimidação, informando que aguardariam até 11.01 para que as reportagens fossem apagadas – dia em que o site saiu do ar novamente. Em nenhuma das oportunidades o veículo atendeu às ameaças, de forma que as reportagens seguem disponíveis para consulta. O veículo registrou boletins de ocorrência e comunicou o Ministério Público sobre o ocorrido, mas até então não há resposta das autoridades que garanta segurança ao veículo, seus conteúdos e comunicadores associados – e, não obstante, foram alvo da decisão mencionada.
Lembramos que o Estado e seus representantes em todas as esferas têm a obrigação de prevenir, proteger e processar ataques contra jornalistas e defensores dos direitos humanos. Se tratando de veículo com histórico de 20 anos de atuação, visibilizando conteúdos profundamente importantes sobre violações aos direitos humanos e ambientais, tais proteções são imprescindíveis para garantir a informação e a expressão de pautas comumente invisibilizadas. Neste caso, a decisão de alteração de conteúdo opera de forma oposta à proteção, ferindo o direito à liberdade de expressão e vulnerabilizando o trabalho dos comunicadores que fazem parte de seu quadro.
Além disso, importante destacar que a comunicação — em especial o jornalismo independente, popular e comunitário — se destaca como meio de dar visibilidade às narrativas historicamente apagadas no país. Entendemos que a remoção de conteúdo se coloca também como instrumento de apagamento e exclusão de determinados grupos, especialmente por tratar explicitamente de violências relacionadas à população indígena.
Esperamos, dessa forma, que a decisão seja revista, de forma a garantir os direitos constitucionalmente protegidos.
(Crédito da imagem: Bruno Kelly/Amazônia Real)