Relatório de observação da audiência de avaliação e preparatória de julgamento do caso Ola Bini

Ola Bini, ativista do movimento software livre, defensor dos direitos humanos e especialista em segurança digital, se encontra submetido a um processo judicial no Equador, desde abril de 2019. As organizações nacionais, regionais e internacionais abaixo assinadas, que têm acompanhado o caso desde o início, denunciam a motivação política da acusação e formulação das acusações, bem como as contínuas e graves violações ao devido processo. Com tais antecedentes, formamos uma Missão de Observação para testemunhar a audiência de avaliação e preparatória de julgamento que terminou no último dia 29 de junho de 2021. 

Esta audiência foi instalada pela primeira vez pela juíza Yadira Proaño, em 3 de dezembro de 2020, na qual a defesa de Bini apresentou suas provas e argumentos para solicitar a nulidade do processo. A audiência foi suspensa pela magistrada para analisar a documentação apresentada e decidir sobre o pedido. Em 16 de dezembro de 2020, a diligência foi instalada pela segunda vez, ocasião na qual a juíza Proaño rejeitou o pedido da defesa e declarou a validade de todo o processo, ainda que, por meio de um habeas corpus, tenha sido reconhecido que a detenção de Ola Bini era ilegal e arbitrária 1. Logo, a magistrada suspendeu novamente a audiência para analisar os argumentos e provas das partes a respeito da possibilidade de chamar Bini a julgamento. 

Como resultado da observação desta terceira parte da audiência, em que a juíza Proaño informou a convocação de Ola Bini a julgamento, preparamos este relatório, no qual alertamos sobre elementos-chave da reinstalação dessa diligência e sua respectiva decisão.

 

1- Sobre a reinstalação da audiência

 A audiência foi convocada no dia 26 de junho, quase 7 meses após sua última suspensão, violando o princípio da duração razoável do processo, e horas depois que a defesa apresentou uma nova demanda de recusa contra a Dra. Yadira Proaño, juíza que está responsável pelo caso. Esta recusa foi motivada por não levar adiante o processo dentro do período de três vezes o tempo indicado pela lei. 

Quanto aos prazos legais, esta demanda deveria ter sido qualificada e notificada à Dra. Proaño até 25 de junho 2. Isto, no entanto, não aconteceu, o que implica em uma nova irregularidade no processo. A demanda foi qualificada e uma notificação foi enviada horas antes da realização da audiência preparatória de julgamento. Isto gera preocupação na defesa e entre os/as observadores/as, porque poderia aumentar o “limbo jurídico” no qual já se encontra o processo. 

Outra irregularidade que esta Missão tomou conhecimento tem relação com a mudança do sorteio judicial para o conhecimento da demanda de recusa. Em primeiro lugar, a demanda deveria ter sido encaminhada à juíza Ximena Rodríguez. Entretanto, quando a defesa apresentou um pedido solicitando que se avançasse com o trâmite respectivo, de acordo com o prazo da lei, este documento caiu nas mãos do juiz Giovanny Freire. Ou seja, houve uma substituição no meio do processo de qualificação e notificação que não é clara, especialmente quando os juízes responsáveis pelos casos são designados por um sorteio automático. 

 

2- Sobre a convocação a julgamento 

 A decisão de convocação a julgamento é regulamentada pelo artigo 608 do Código Orgânico Integral Penal (COIP) do Equador, segundo o qual a juíza deveria ter dado uma fundamentação sólida para sua decisão. Em sua argumentação oral, ela pontuou que existem indícios suficientes para apontar a prática do delito de acesso não-consentido a um sistema informático. No entanto, em sua explicação, não foi feita referência a elementos probatórios ou de contexto que sustentassem seu argumento. Estaremos atentos ao documento no qual estas razões terão que ser expressas para embasar sua sustentação.

Por outro lado, a convocação a julgamento também implica em especificar as evidências que demonstrem que o delito foi cometido. A este respeito, gostaríamos de destacar duas questões.

A- Em primeiro lugar, a juíza incluíu como elemento probatório uma captura de tela que, de acordo com a acusação, demonstraria que Ola Bini cometeu um delito de acesso não consentido a um sistema informático da Corporação Nacional de Telecomunicações (CNT). No entanto, de acordo com o que foi publicado oportunamente pela organização Electronic Frontier Foundation (EFF), esta imagem não só não prova o suposto acesso, mas mostra que não ocorreu tal ação, havendo respeito à advertência de não se acessar sem autorização 3

A inclusão dessa captura de tela como elemento probatório suscita preocupação nas organizações da sociedade civil e na comunidade de segurança digital, porque, em torno desta imagem, a acusação sugeriu que era evidente a prática do delito, já que Ola Bini estava usando a ferramenta Tor para navegar na Internet. Tor é uma ferramenta digital cujo uso serve para proteger a própria identidade na Internet. Segundo a Relatoria Especial sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão da Organização das Nações Unidas (ONU), os atributos de ferramentas como Tor são fundamentais para garantir o direito à privacidade e, portanto, à liberdade de expressão 4. Assim, no marco deste caso, nos preocupa o uso de razões infundadas para manter a acusação e o julgamento contra Ola Bini, ao mesmo tempo em que se criminaliza o uso de uma ferramenta-chave para a vigência dos direitos digitais no país. 

B- Por outro lado, a juíza excluiu o informe do perito em informática da defesa de Ola Bini em relação à captura de tela referenciada. Trata-se do mesmo profissional contra quem a Procuradoria-Geral da Estado (FGE, em sua sigla em espanhol) conduziu uma violenta incursão em setembro de 2019, reprovada publicamente pela Anistia Internacional 5. Além disso, permitiu a inclusão de todas as outras perícias policiais. Isto é importante destacar porque, de acordo com as ordens da juíza, a audiência não poderia ser reinstalada até que não fosse incluída a certificação dos peritos responsáveis por tais perícias. Esta documentação, até agora, não foi incluída no expediente, mas a juíza reinstalou a audiência de qualquer maneira e permitiu a inclusão de tais perícias na fase de julgamento. 

Pelo que foi descrito acima, pode-se resumir que a audiência de avaliação e preparatória de julgamento, que deveria ter ocorrido em outubro de 2019, foi suspensa repetidamente e, finalmente, reinstalada no marco de novas irregularidades. Além disso, a convocação de julgamento ocorre sem apresentar uma motivação sólida e com um alto risco de gerar um perigoso precedente de criminalização de ferramentas fundamentais para a vigência dos direitos digitais no Equador. 

Por todas as razões acima expostas, uma vez mais pedimos às autoridades do país que respeitem as garantias do devido processo legal e que tomem decisões de acordo com a lei e fundamentadas em critérios técnicos especializados. Continuaremos observando o desenvolvimento do caso para reivindicar justiça e a devida reparação.

 

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Notas de rodapé

  1. https://www.eluniverso.com/noticias/2019/06/20/nota/7386084/audiencia-favor-ola-bini-se-realizara-este-jueves/
  2.  Uma reclamação é qualificada quando atende aos requisitos formais de apresentação, haja causa a ser processada e potencialmente aceita pelo Poder Judiciário. 
  3. https://www.eff.org/es/deeplinks/2019/08/telnet-not-crime-unconvincing-prosecution-screenshot-leaked-ola-bini-case
  4. https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/BDL/2015/10191.pdf
  5. https://www.amnesty.org/es/latest/news/2019/09/ecuador-allanamiento-violento-pone-en-riesgo-juicio-justo-ola-bini/
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