Em janeiro deste ano, o defensor de direitos humanos e advogado dos sobreviventes do Massacre de Pau d’Arco, José Vargas Sobrinho Junior, foi surpreendido pela decretação de sua prisão preventiva, acusado pelo Ministério Público e pela Polícia Civil de envolvimento no desaparecimento e homicídio de Cícero José Rodrigues de Souza, então candidato a vereador de Redenção (PA). Nesse momento, o advogado responde à ação penal em prisão domiciliar.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com pedido de habeas corpus, requerendo o trancamento da ação penal, cuja liminar foi negada em 4 de janeiro. A solicitação será analisada nas próximas semanas e parte da avaliação de que as provas não são suficientes para justificar a prisão ou a atribuição da autoria do homicídio à Vargas – ou, ainda, para subsidiar a denúncia apresentada pelo Ministério Público.
Fazem parte das provas produzidas pela Polícia Civil, exclusivamente, áudios e mensagens de Whatsapp, nos quais o advogado comentava o desaparecimento com um colega de profissão.
Denunciamos a conduta irregular da colheita das provas. Uma vez que os áudios e mensagens foram encaminhados do celular do outro investigado para as autoridades policiais, fragiliza-se a perícia devida, na medida em que altera os dados originais salvos no aparelho – configurando também expressa violação aos direitos à privacidade e à intimidade.
Não bastando a fragilidade das provas e a impropriedade na sua produção, verifica-se, ainda, que as mensagens juntadas aos autos foram selecionadas de forma conveniente e fora de contexto, de maneira a se criar, na investigação, cenário distante da realidade dos fatos. Uma das evidências é que foram selecionadas somente 12 das 567 mensagens trocadas sobre a morte e desaparecimento da vítima – e as deixadas de lado inocentariam Vargas das acusações impostas a ele.
Outra violação de seus direitos é que desde a prisão – momento em que se tomou conhecimento da investigação contra o advogado – sua defesa tem sido impossibilitada de acessar amplamente as provas juntadas aos autos, e tem recebido tratamento desigual ao conferido à acusação, que acessa livremente as provas e os documentos constantes dos autos sem a presença e testemunho de assistente técnico ou perícia.
Criminalização de movimentos sociais
A prisão e a tentativa de criminalização de Vargas estão associadas a um contexto mais amplo de violência e perseguição contra os movimentos sociais da região. Vargas é advogado e atua na defesa dos sobreviventes do Massacre do Pau D’Arco, bem como na defesa dos ocupantes do Acampamento Jane Júlia, que fica no mesmo local (Fazenda Santa Lúcia).
O Massacre de Pau D’Arco ocorreu em 2017 e resultou na execução de dez trabalhadores e trabalhadora rurais por policiais civis e militares.
O advogado já vinha sofrendo intensas ameaças de morte pela atuação de proteção e garantia das narrativas dos sobreviventes do massacre, chegando a ser incluído no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) e a deixar a cidade, temendo pela sua vida e de sua família.
O Pará é um dos estados onde se registram um dos maiores indíces de violações contra ativistas, militantes, movimentos sociais e organizações que lutam por direitos humanos, ambientais e luta pela terra – que, em grande parte dos casos, terminam impunes, como acontece no caso de Pau D’Arco.
Por essas razões, entendemos ser imperativo o fim da ação penal contra José Vargas Sobrinho Júnior, conforme apresentado pela OAB. A simples apresentação da denúncia baseada em provas frágeis, que não se sustentam por si só, já evidencia um ambiente de perseguição ao advogado, que vem na esteira da tentativa sistemática de silenciamento dos sobreviventes do massacre. É urgente a responsabilização dos policiais responsáveis pelas mortes, assim como é necessário que se garanta a voz dos sobreviventes e novos ocupantes do território, que têm arriscado suas vidas pela garantia de direitos básicos e, paralelamente, têm sido esquecidos ou, pior, criminalizados pelo Estado.
(Crédito da imagem: Mário Campagnini)