Projeto de Lei a ser votado esta semana pela Câmara pode gerar
ampliação de censura e criminalização de defensores de direitos humanos
Organizações sociais e movimentos populares denunciam que o Projeto de Lei 6.764/02, que, entre outras alterações, propõe uma nova Lei de Segurança Nacional (Lei 7170/1983) sob o título de Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, contém – diferentemente do que o governo anuncia – graves riscos à liberdades democráticas e o Estado de direitos. Apensado ao PL 2.462/91, o Projeto de Lei pode ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (04).
Em documento organizado por um espectro diverso de organizações de defesa e promoção dos direitos humanos e disponibilizado aos parlamentares, o coletivo elenca como a proposta legislativa reedita os crimes previstos na atual Lei de Segurança Nacional, tais como o crime de insurreição, de sabotagem, espionagem, conspiração e os crimes contra a honra e os chamados crimes de opinião. Com isso, a proposta legislativa que contém grandes possibilidades de aprovação na Câmara dos Deputados colabora para reprodução, sob nova roupagem legislativa, dos graves erros e riscos que a vigência da Lei de Segurança Nacional representa ao exercício da participação política por grupos que manifestam oposição aos poderes instituídos, em violação ao direito de reunião e de manifestação.
“É muito provável que se reproduza a mesma aplicação inadequada, com impactos sérios na vida das pessoas investigadas, em especial daquelas cujos casos têm menor visibilidade, que, censuradas, acabam reduzindo seu nível de atuação social e participação política. Tais consequências são devastadoras para a democracia”, aponta um trecho do material produzido pelas organizações.
Tipos penais abertos e termos vagos
As organizações destacam que o Projeto de Lei 6.764 cria tipos penais abertos, como o conceito e “violência ou grave ameaça”. Sem uma definição clara e objetiva de uma conduta como crime, a imposição e enquadramento da lei sobre sujeitos e coletivos recaem sobre autoridades policiais e do sistema de justiça. O mesmo ocorre pela presença de termos e expressões vagas na redação do projeto de lei. “Impedir ou dificultar o exercício do poder legitimamente constituído”, “produzir instabilidade no funcionamento dos poderes do Estado” são expressões abertas que terão sua demarcação definida pela autoridade policial e/ou sistema de justiça, e, nesse sentido, apontam as organizações “podem facilmente incluir estratégias da luta social em atos reivindicatórios e manifestações públicas”
Outro agravante, aponta o coletivo, é que os tipos penais presentes na proposta legislativa versam sobre o mesmo tema. A combinação dos tipos penais de mesmo tema em um julgamento, por exemplo, pode levar a um agravamento da pena. O grupo ainda destaca que alguns destes tipos penais já estão contemplados por leis em vigência, como o delito de associação criminosa já definido e delimitado no Código Penal.
A atual redação do Projeto de Lei ainda incorre em enquadramento de crime de espionagem ao sujeito ou grupo que faz uso e difunde informações tidas como sigilosas. Essencial para o trabalho de profissionais de comunicação e reivindicação permanente de organizações e movimentos populares, a transparência é apontada como estruturante da sociedade democrática, destacam as organizações.
“A história brasileira, tanto durante o período pós-escravidão, quanto ao fim da ditadura empresarial-militar, mostra que o sigilo de informações supostamente de natureza secreta e ultrassecreta são mais responsáveis por violações severas a princípios democráticos e pela manutenção da ausência de responsabilização do que teria sido seus vazamentos”, aponta outro trecho do documento.
Urgência legislativa
Outra crítica do grupo diz respeito à impossibilidade de participação popular e amplo debate público sobre a matéria. Com as adaptações ao trabalho legislativo pelo contexto da pandemia, com a impossibilidade de ampla circulação de pessoas pelo Congresso Nacional, e pelo regime de urgência à tramitação do projeto proposto pela base de governo e aprovado pela Câmara no dia 20 de abril, a aprovação do projeto deve carecer de amplo debate público.
As organizações – desde que o projeto de lei de mais de 19 anos de existência foi incluído na pauta parlamentar – têm questionado a intencionalidade do Congresso em acelerar a votação da matéria, em momento em que outras urgências à ação legislativa e executiva se impõem pelo contexto de grave crise social, da saúde pública e com recordes diários de óbitos pela pandemia e omissão do Estado.