Por que o STF deve decidir a favor da liberdade de expressão e contra o chamado ‘direito ao esquecimento’?

Direito fundamentado na exigência de indivíduos em não permitir que mecanismos de pesquisa exponham informações públicas relacionadas ao seu nome é grave em razão da possibilidade de um apagamento de fatos históricos e restrição de diferentes informações e opiniões e a capacidade da mídia de exercer seu papel

 

Está agendada para hoje, 03 de fevereiro, a primeira sessão do ano do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a apreciação do Recurso Extraordinário 1.010.606, que teve repercussão geral reconhecida pelo relator do caso, ministro Dias Toffoli. Na prática, o julgamento consistirá na decisão, pela Corte Constitucional, sobre a configuração ou não do chamado “direito ao esquecimento”. O ministro relator declarou, quando do reconhecimento da repercussão geral, que as discussões no âmbito do caso ‘’abordam tema relativo à harmonização de importantes princípios dotados de status constitucional: de um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação; de outro, a dignidade da pessoa humana e vários de seus corolários, como a inviolabilidade da imagem, da intimidade e da vida privada”. 

A discussão se dá no âmbito de uma ação movida pela família de Aida Curi contra a Rede Globo que, em 2004, veiculou uma edição do programa “Linha Direta – Justiça” sobre o caso da jovem assassinada em 1958. A família alegou que a forma sensacionalista com que o caso foi exposto, quase 50 anos após o ocorrido, havia causado sofrimento extremo, passível de indenização por danos morais. Ao longo do processo, estabeleceu-se como discussão-chave o chamado direito ao esquecimento que, resumidamente, se refere a um remédio que, em algumas circunstâncias, permite que os indivíduos exijam dos mecanismos de pesquisa (como Google, por exemplo) a retirada da lista de informações públicas que aparecem após uma pesquisa pelo seu nome. Também pode se referir a demandas para apagar ou não permitir que determinadas informações sejam divulgadas.

Apesar de não ter sido um pedido expresso da família de Aida – que apenas requereram indenização a título de danos morais – foi reconhecida a repercussão geral desse tema em razão da evidente coalizão entre direitos fundamentais gerada pela ideia de direito ao esquecimento.

A ARTIGO 19 defende que qualquer restrição à liberdade de expressão deve passar pelo teste das 3 partes definidas pela Convenção Americana e pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ambos dos quais o Brasil é signatário). Assim, para que uma restrição seja considerada legítima, ela deve: (i) seguir previsões legais positivadas, claras e acessíveis; (ii) servir a propósitos legítimos, especialmente a proteção de outros direitos de igual importância; (iii) ser necessária e proporcional. É importante destacar que uma restrição necessária e proporcional é a mais adequada para alcançar a proteção legítima almejada, além de ser a opção menos danosa possível ao exercício legítimo da liberdade de expressão. 

Se tratando de liberdade de informação, há ainda que ser observado se a divulgação pode ser de fato danosa, e mais além, se o dano em questão prevalece sobre o interesse público relacionado àquela informação.

Quando se fala de crimes, em especial àqueles de ampla repercussão nacional como o de Aida Curi, a preservação do histórico e inclusive de certos detalhes é importante para fins de pesquisa e de compreensão acerca dos traços sociais e comportamentais de uma determinada época e, em especial, de suas consequências e possíveis relações com atualidade. Existe, portanto, interesse público nessas narrativas.

É importante que o direito ao esquecimento seja analisado a partir de uma perspectiva rigorosa, sob pena de dar vazão a interesses pessoais de ”apagar a história”, isto é, de impedir a circulação de informações e ideias permeadas de alta relevância para a sociedade como um todo. Sua aplicação acarreta, necessariamente, a restrição das liberdades de expressão e informação, o que requer uma verificação precisa acerca da necessidade e proporcionalidade da medida, bem como considerações sobre o interesse público.

Por esta razão, a ARTIGO 19 defende que o direito ao esquecimento não deve ser reconhecido como um direito a que se possa recorrer automaticamente diante do interesse de retirar de circulação determinadas informações. Toda e qualquer eventual requisição de direito ao esquecimento, em suas diversas modalidades, deve ser invariavelmente submetida à análise individual de necessidade e proporcionalidade que permitam avaliar sua legitimidade. Assim, se há interesse público na divulgação da informação e se não estão presentes os elementos que poderiam ensejar uma eventual restrição à liberdade de expressão, a livre circulação de informações deve ser a regra!

Nesse sentido, reforçamos a necessidade de que o Supremo Tribunal Federal declare o grave risco à liberdade de expressão que o reconhecimento do direito ao esquecimento pode gerar, em razão da possibilidade de apagamento de fatos históricos de acordo com interesses individuais e que podem restringir a circulação de diferentes informações e opiniões. 

 

https://artigo19.org/centro/caso/direito-ao-esquecimento-e-discutido-no-stf/

https://artigo19.org/2017/06/12/nova-publicacao-analisa-projetos-de-lei-que-querem-regulamentar-direito-ao-esquecimento

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