Nos últimos dias, três vereadoras do PSOL-SP sofreram violências na capital paulista. No dia 26 de janeiro, a vereadora Erika Hilton – a primeira mulher trans a ocupar uma cadeira no legislativo municipal paulista – foi perseguida dentro da Câmara Municipal da cidade. A vereadora relata, ainda, que já protocolou ação contra ao menos 50 pessoas que a atacaram por meios digitais desde o início da sua campanha, com ofensas de caráter racista e transfóbico. Na madrugada do dia 27 de janeiro, a covereadora da Bancada feminista, Carol Iara, teve sua noite interrompida por sons de tiros desferidos contra a sua residência. No domingo, dia 31 de Janeiro, a covereadora Samara Sosthenes, do Quilombo Periférico, também foi atacada por um homem, que disparou tiros em frente a sua casa. Ainda que os casos choquem pela intensidade e quantidade em um curto período de tempo, estes não se configuram como exemplos isolados, e sim como fruto de um processo de violência ininterrupta contra candidatas – em especial, mulheres negras e LGBTQIs – visando negar, mais uma vez, o acesso destas a espaços de poder.
78% das candidatas negras que concorreram às eleições em 2020 declararam ter sofrido ataques, segundo pesquisa do Instituto Marielle Franco em parceria com Justiça Global e Terra de Direitos: https://www.violenciapolitica.org. A última eleição, dessa forma, foi marcada por episódios de ameaças e por invasão de espaços online organizados pelas candidaturas – ataques estes marcados pela mobilização de símbolos de supremacia branca e de ideologias nazifacistas. Depois de divulgados os resultados da eleição, a violência ainda perdura. Diversas candidatas recém-eleitas foram juradas de morte, e a estas ameaças não foi oferecida resposta ou proteção adequada para garantir a vida e segurança delas. Se destacaram na mídia os casos de ameaças contra: Ana Lúcia Martins e Carol Dartora, primeiras mulheres negras eleitas em Joinville (SC) e Curitiba (PR), respectivamente; e Duda Salabert (PDT-MG), primeira mulher trans eleita vereadora em Belo Horizonte.
A violência contra mulheres na política, com destaque para as mulheres negras e transsexuais – direcionadas principalmente contra aquelas que denunciam a violência contra grupos historicamente discriminados – se apresenta com mais força neste momento de desmonte da democracia e de políticas públicas de promoção de igualdade racial e de gênero. É evidente que essa desestruturação política e os ataques às populações vulnerabilizadas são, hoje, encabeçadas por grupos de extrema direita. Cabe destacar, ainda, que os ataques não são necessariamente coordenados: são fruto de posturas discriminatórias históricas que legitimam a violência contra as mulheres, negras e negros, quilombolas, indígenas e população LGBTQIA+ e encontram suporte e apoio no universo político e em autoridades nas variadas esferas de poder.
Destacamos que estes eventos perfazem ataques à liberdade de expressão em sua forma mais brutal, impedindo que as representantes eleitas ponham em pauta os debates que entendem necessários no meio político por força de intimidação e uso de violência. Não por acaso, os ataques acontecem após eleição marcada por um resultado sem precedentes no Brasil, com a expressiva ocupação de mulheres, negras e negros e de candidatas e candidatos LGBTQIA+. Portanto, há em curso um movimento para evitar que os espaços da política sejam de fato ocupados por estes corpos e para que suas narrativas sejam sufocadas e invisibilizadas – seja pelo auto silenciamento como forma de proteção, seja pelo fim de suas vidas, como o foi o caso da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) em 2018. No mesmo sentido, o ataque a estas mulheres fere gravemente a democracia, impossibilitando que o voto depositado nas urnas (o qual legitima a ocupação delas nestes espaços de poder) seja respeitado.
A ARTIGO 19 se solidariza às vereadoras atacadas e se coloca à disposição para quaisquer mobilizações necessárias para impedir a continuidade de tal violência, que expõe, novamente, o racismo, o machismo e a LGBTfobia estruturantes da sociedade brasileira e existentes no meio político – de forma amplamente difundida pelos representantes do Governo Federal. Também nos somamos às organizações que denunciam estas violências e cobram dos Ministérios Públicos e Polícias Civis a apuração veloz e eficiente dos casos, bem como a proteção das mulheres ameaçadas, garantindo que estas possam seguir vivas, seguras e concretizando suas pautas políticas pelo mandato recebido pelo voto popular.
(Créditoa foto: Reprodução Twitter)